Sobre “O Terceiro Prato – Notas sobre o Futuro da Alimentação” de Dan Barber
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o vazio. Um pouco de ignorância impede-nos de
julgarmos erradamente que é possível manipu-
lar todas as condições para cada colheita. Não
saber exatamente o
como
torna-nos mais humil-
des e provavelmente acaba por ser muito mais
saudável. Nas palavras do ecologista Frank Egler,
‘A Natureza não é só mais complexa do que ima-
ginamos; é também mais complexa do que con-
seguimos imaginar
.’” (p.88)
•
Parte II – Terra – Uma dádiva da natureza
conta
as experiências de Eduardo Sousa e os seus “gan-
sos livres” na
dehesa
espanhola, de grandes cozi-
nheiros, como Jean-Louis Palladin, uma espécie
de precursor do movimento do campo ao prato, e
grandes agricultores, como Mas Matsumoto, pro-
dutor californiano de pêssegos, que contribuíram
para sensibilizar os americanos para uma agricul-
tura e uma produção mais sustentáveis, fazendo-
-os compreender que “
a boa comida era indis-
sociável da boa agricultura
” (p.136). “
Quando se
consegue que os profissionais se interessem, (…)
isso acaba por se propagar a toda a gente
” (p.115)
E contribuíram também para combater os proble-
mas da industrialização e desumanização da agri-
cultura (desumanização essa que envolve huma-
nos, animais e plantas), ilustrada, por exemplo,
pela história da produção de frangos nos EUA.
(“
Os americanos chegaram agora a um ponto em
tempos impensável: não há limite para a quanti-
dade de carne que podemos consumir
” p.152, e a
lógica do “
get big or get out
” – “
cresce ou desapa-
rece
” para os produtores).
Barber fala da importância de ver os animais
como seres vivos (que sabem melhor do que
nós o que lhes faz bem: “
Está no ADN do ganso
procurar condições para comer e viver bem
” diz
Sousa, p.131) e não mera mercadoria, não só
por razões humanitárias e de visão do mundo,
mas também porque isso se reflete em alimen-
tos mais nutritivos e saborosos. A natureza é que
sabe, e estupidificar os animais é estupidificar a
natureza e estupidificarmo-nos também. (p.194)
“
Palladin nunca se deixou convencer pela mania
da pecuária com engorda por cereais, não porque
fosse inumana ou destrutiva para o ambiente,
mas porque nunca produziu nada que fosse ver-
dadeiramente bom para comer
.” (p.118).
Produtos realmente saborosos como o
jamón
ibérico
ou o
foie-gras
ecológico de Sousa “
repre-
sentam aquilo que é possível alcançar quando as
dádivas da natureza são filtradas pela tradição
culinária.
(…)
[esses produtos]
dependem de um
ofício simples, trabalhado e aplicado. E por vezes,
com sorte, transcendem o ofício. Tornam-se maio-
res do que a soma das partes.
(…)
Uma receita
ou uma refeição podem estimular a nossa pró-
pria consciência – sobre os animais que come-
mos, sobre o sistema que está na base da dieta
desses animais e sobre o tipo de cozinha que um
chef
deve criar para apoiar esse sistema
.” (p.198)
•
Parte III – Mar – O coração não é uma bomba
debruça-se sobre os problemas do mar e das
pescas (que têm a ver não só com o que extraí-
mos dele, mas também com o que nele despe-
jamos), centrando-se em experiências de susten-
tabilidade como a de Ángel Léon, o cozinheiro
espanhol que faz pão a partir de fitoplâncton
cultivado com a ajuda de cientistas numa espé-
cie de horta marinha ou usa uma pasta de olhos
de peixe para engrossar molhos (p.225). Para ele,
cozinhar é inovar e investigar e descobrir o que
fazer com os resultados dessa investigação, e não
se importa de comprar peixe que outros descar-
tariam por estar menos perfeito, porque preza o
trabalho do pescador: “
Não é essa a arte do
chef
?
Transformar coisas menos usáveis em algo deli-
cioso?
” (p.226) “
Eu sou mais pró-pescador do que
pró-peixe
.” (p.228), diz Léon.
O princípio orientador de Ángel vem de ter assis-
tido ao sofrimento dos pescadores ao terem de
devolver ao mar o peixe que sabem que não vão
conseguir vender. Nós só estamos dispostos a
comer os peixes que conhecemos (20 espécies)
e Ángel Léon tenta mudar isso. (p.228) “
Comer