cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR
N.º 9
SETEMBRO 2017
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“
Com uma regularidade notável, quase irónica, dei
por mim a repetir este tipo de experiência. Diferen-
tes explorações, diferentes agricultores, o mesmo
arco narrativo, recordam-me que a comida verda-
deiramente saborosa se baseia numa receita bem
mais complexa do que tudo o que eu possa conceber
na cozinha. Uma tigela de polenta que nos aquece
os sentidos e nos fica na memória torna-se tão sim-
ples como um grão de milho e tão complexa como
o sistema que lhe está na origem. Fala de algo que
está para lá do produto cultivado, do cozinheiro ou
do agricultor – fala da totalidade da paisagem e da
forma como ela se constrói.
” (p.8)
Estas várias experiências ensinaram-lhe, assim, que
“
a comida verdadeiramente deliciosa depende de
todo um sistema de agricultura. (…)
E que tipo de
agricultura é esta? Local? Biológica? Biodinâmica? O
que eu aprendi foi que esta agricultura vai para além
dos rótulos. É preciso algo de mais vasto para a expli-
car. Eve Balfour, uma das pioneiras da agricultura
biológica, dizia que a melhor agricultura não pode
ser reduzida a um conjunto de regras. ( …) ‘Temos
de cultivar a natureza’
”, diz um dos agricultores com
quem Barber falou e que de certo modo reflete “
a
atitude, a visão do mundo
” e a história de todos os
agricultores de quem o livro fala. (p.18)
“Cultivar a natureza
é incentivar mais natureza.,
o que não é fácil de fazer. Mais natureza significa
menos controlo. Menos controlo implica uma certa
espécie de fé, e é aí que a visão do mundo entra em
ação. Vemos o mundo natural como precisando de
alteração e melhoramento, ou vemo-lo como algo
que tem de ser observado e interpretado? Vemos os
seres humanos como uma pequena parte de um sis-
tema incrivelmente complexo e frágil ou vemo-nos
como os comandantes? Os agricultores deste livro
são observadores. Escutam. Não exercem controlo.
(… )
cultivam a natureza
, orquestrando todo um sis-
tema de agricultura ( …) em que cada comunidade
viva é vasta, complexa e essencial à saúde desse sis-
tema.
” (p.19) Permitem descobrir “
aquilo a que Wen-
dell Berry chamou a ‘cultura’ na agricultura
” (p.20).
“
É difícil rotular estes agricultores, porque é difícil
rotular uma atitude ( …). Quando o rei Lear pergunta
ao cego Gloucester como vê ele o mundo, Shakes-
peare fá-lo dizer ‘Vejo-o, sentindo-o’. Os agricultores
deste livro veem o seu mundo, sentindo-o
.” (p.19)
Ou, como Barber diz mais adiante, quando fala
da experiência de Eduardo Sousa, o produtor
espanhol de
foie-gras
ecológico, e do sistema da
dehesa
(semelhante ao nosso montado): “
Quando
deixamos a natureza trabalhar, o que significa cul-
tivar a terra de uma maneira que promove todas as
suas frustrantes ineficiências – quando
cultivamos
a natureza
– acabamos por produzir mais do que
com qualquer outro sistema que a possa substituir.”
(p.180/1)
“A nossa tarefa não é apenas apoiar o agri-
cultor; é, na verdade, apoiar a terra que apoia o agri-
cultor
.” (p.182)
Este é também um livro de um rapaz americano
que tinha uma avó apaixonada por uma quinta
perto de Nova Iorque, o que lhe deu a possibili-
dade de crescer a trabalhar no campo durante o
verão: a Blue Hill Farm, onde hoje funciona uma
exploração agrícola e pecuária, um centro educa-
tivo “
sem fins lucrativos dedicado ao futuro da ali-
mentação produzida de forma sustentável
” (p.211)
que ensina técnicas de cultivo e conservação da
terra agrícola, um mercado local, um café e um res-
taurante. A exploração fornece também um outro
restaurante em Manhattan, a cerca de 50 km. Este
é, assim, um livro de um
chef
norte-americano com
uma visão de todas estas questões permeada por
aquilo que é a agricultura e a alimentação no seu
país, mas que procura confrontá-la com experiên-
cias noutros lugares.
O restaurante de Barber era considerado do campo
ao prato, um movimento que surgiu como res-
posta à deterioração do ambiente e à degradação
da saúde e nutrição provocadas pela agricultura
industrial, procurando produtos locais e sazonais,
que envolvem uma maior ligação com o agricultor
e produzem alimentos mais saborosos e saudáveis.