Sobre “O Terceiro Prato – Notas sobre o Futuro da Alimentação” de Dan Barber
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“
E, no entanto, apesar de todo o sucesso do movi-
mento e das mudanças operadas na consciencializa-
ção da opinião pública, estes ganhos não alteraram,
fundamentalmente, as forças políticas e económicas
que determinam a forma como os alimentos são pro-
duzidos no nosso país
. (…)
A cultura alimentar –
a
maneira
como comemos, que é diferente
daquilo
que comemos – permaneceu em grande medida
inalterada
.” (p.11)
“
Do campo ao prato pode soar bem (é direto e consis-
tente), mas a verdade é que é o campo quem acaba
por se submeter ao prato e não o contrário, dificul-
tando a manutenção de uma boa agricultura
.” (p.15)
Barber compreendeu que é preciso ir mais longe.
Por exemplo, mais do que uma agricultura menos
prejudicial ao solo, que utiliza a rotação de cultu-
ras para potenciar a qualidade do solo como base
do sabor, é preciso que todos nós estejamos dis-
poníveis para utilizar essas culturas da rotação na
nossa alimentação (e.g. uma receita de
Rotation
risotto
, p.437, que, em vez de arroz, utiliza cultu-
ras das rotações que preparam o solo para o trigo:
centeio, cevada, trigo mourisco, milho painço, além
de leguminosas, que agora se destinam normal-
mente à alimentação animal); nas pescas, em vez
de comermos apenas os peixes de maiores dimen-
sões do topo da cadeia alimentar, é preciso utilizar
as capturas acessórias (
by-catch
) ou as pequenas
espécies até agora, ou em certos sítios, menospre-
zadas; na produção animal, temos de consumir par-
tes menos utilizadas, em vez de apenas os cortes
habituais de bifes, costeletas e febras (recorrer ao
chamado
nose-to-tail
, do focinho à cauda, ou até
mesmo ao
bone-to-blood
, dos ossos ao sangue,
como nós fazemos com o porco, ou utilizar certas
vísceras que os americanos pouco consomem, ou
cozinhar com carvão de ossos de porco, por exem-
plo), de modo a chegarmos a uma perfeita interse-
ção entre boa agricultura (e boa pesca) e boa mesa.
Os
chefs
têm aqui um papel fundamental como ati-
vistas do sabor, para estabelecer tendências ou
repensar hábitos alimentares: podem ser os primei-
ros a propor “novos” produtos, que depois acabam
por chegar ao público em geral. Segundo Barber,
um número crescente de
chefs
tem vindo a tornar-
-se ativista “
na defesa da mudança do sistema agrí-
cola
”. (p.10)
Este não é, porém, um livro de receitas, como se
poderia esperar de um cozinheiro (embora elas
também surjam no Epílogo: o
Rotation risotto
é
uma delas), mas antes um livro de interrogações.
Na verdade, é um livro à procura de uma “receita”
que permita conjugar sustentabilidade, produtivi-
dade, rendimento e sabor e que, nessa busca, vai
abrindo sucessivas interrogações como se fossem
matrioskas, encontrando sempre nova matéria para
se questionar. Como ponto de partida estão per-
guntas básicas: de onde vem o sabor daquilo que
comemos? Como podemos comer de uma forma
mais sustentável?
E o que é afinal o Terceiro Prato? Quando a certa
altura lhe pediram que idealizasse um prato que
representasse o futuro da cozinha, Barber recu-
sando visões para ele distópicas de insetos, algas
ou pílulas, pensou num percurso evolutivo em
três pratos. O primeiro prato representa a segunda
metade do século XX: uma enorme porção de proteí-
nas animais (tipicamente, um bife de vaca alimen-
tada com cereais) com uma porção muito reduzida
de vegetais. O segundo prato é o resultado atual
do movimento do campo ao prato, com um bife
mais pequeno agora produzido em regime exten-
sivo e vegetais biológicos ou, pelo menos, produzi-
dos localmente, mas no essencial não muito dife-
rente do anterior. O Terceiro Prato procura inverter
as porções, com uma grande porção de vegetais
(um bife de cenoura, por exemplo) e a proteína a
servir de complemento (um molho de carne).
Para Dan Barber, isto não significa necessariamente
que no futuro só haverá bifes de vegetais, mas sim
que “
o futuro da cozinha terá de representar uma
mudança de paradigma, uma nova forma de pensar
sobre a cozinha e a alimentação que desafie as expe-