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cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR

N.º 9

SETEMBRO 2017

92

tativas mais profundamente arreigadas (……) uma

nova cozinha, que vá para além de uma tomada de

consciência em relação à origem dos ingredientes e

que, como todas as grandes cozinhas – comece a

refletir aquilo que a paisagem pode fornecer

.” (p.18)

Segundo ele, era necessário “

um princípio organiza-

dor, uma coleção de pratos em vez de uma lista de

ingredientes, refletindo todo um sistema de agricul-

tura – por outras palavras, uma gastronomia.

” (p.15)

Na realidade, todas as gastronomias importantes

e interessantes foram construídas em torno deste

princípio: retirar a maior nutrição possível e o

melhor sabor possível de recursos limitados, atra-

vés de uma micronegociação entre os agricultores

e a paisagem, entre o que a terra pode fornecer e

aquilo que é possível fazer para apoiar essa oferta.

Ou seja, as grandes gastronomias estão em sintonia

com um sistema alimentar que celebra uma ecolo-

gia ou um lugar. Na América, a grande abundância

de recursos fez acreditar que essa negociação era

menos necessária, criando “

uma filosofia de extra-

ção: conquistar e dominar a natureza, em vez de tra-

balhar em harmonia com ela.

” (p.16)

A partir da década de 50, a Revolução Verde que

teve início para tentar resolver os problemas de

fome e baixa produtividade no México e na Índia,

aumentando a produção de alimentos sem aumen-

tar a terra utilizada, jogou tudo no aumento de pro-

dutividade. E se isso permitiu salvar da fome muitos

milhões de pessoas, preservando simultaneamente

muita área de floresta, acabou por fazer prevalecer

em todo o mundo um modelo de agricultura (e um

sistema alimentar) disfuncional. (p.362)

Os avisos são claros: porque comemos de uma

forma que prejudica a saúde e sobre-explora os

recursos naturais (para não falar das implicações

sociais e económicas), o sistema alimentar conven-

cional não é sustentável. Instalações industriais

agroalimentares como as grandes monoculturas de

cereais ou as explorações pecuárias intensivas são

tão pouco o futuro da agricultura como as fumaren-

tas fábricas do século XIX são o futuro da indústria.

(…)

Embora a maior parte dos alimentos que consu-

mimos provenha ainda de uma agricultura que está

presa a esta mentalidade de extrair mais, desperdi-

çar mais, o senso comum sugere que esta atitude

não pode durar. Nas palavras do escritor ambienta-

lista Aldo Leopold ‘morrerá do seu próprio excesso’

.”

(p.9)

Mas voltando ao Terceiro Prato, este “

novo conceito

de um prato de comida (…) é menos um ‘prato’ pro-

priamente dito do que uma maneira diferente de

cozinhar ou de compor uma receita, ou de criar um

menu, ou de procurar ingredientes – ou mesmo de

fazer todas estas coisas em conjunto. Combina os

sabores não com base em convenções, mas por-

que estes se articulam para apoiar o ambiente que

os produziu. O Terceiro Prato vai para além de uma

consciencialização das pessoas para a importância

dos agricultores e da agricultura sustentável. Ajuda-

-nos a reconhecer que aquilo que comemos é parte

de um todo integrado, de uma teia de relações, que

não pode ser reduzido a ingredientes individuais.

(…) Como todas as grandes gastronomias, está em

permanente movimento, evoluindo para refletir o

melhor que a natureza tem para oferecer

.” (p.21) Os

chefs

poderão ser os maestros nesta orquestra, uma

espécie de curadores do sabor, mas terão de ir para

lá da cozinha, concentrando-se também no estudo

que precede o concerto “

que investiga a história da

composição, o seu significado e contexto

.” Só então

será possível criar algo “

que acabará por penetrar

no tecido da memória

.” (p.22)

O Terceiro Prato é, no fundo, uma metáfora para

uma nova maneira de comer, tendo por base um

sistema agrícola que consiga manter vivo o solo (já

que um solo vivo é essencial ao sabor e ao valor

nutritivo dos alimentos) e que sustente a paisagem,

partindo daquilo que a natureza tem para oferecer

e trabalhando a partir daí, através da inovação e

da descoberta. A receita para o solo é que dita a