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cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR

N.º 9

SETEMBRO 2017

96

no

Aponiente [o restaurante de Léon]

significa

uma espécie de rendição ao mar

” do mesmo

modo que Barber gostaria que comer no Blue

Hill fosse “

uma rendição àquilo que a paisagem

pode fornecer

.” (p.229)

Barber fala ainda da experiência de aquacultura

sustentável de Veta la Palma, no sul de Espanha,

nas margens do parque Doñana (p.238). Embora

os

chefs

usem peixe de aquacultura, não o apre-

ciam particularmente “

pela mesma razão que a

maioria dos músicos não falam das maravilhas

dos efeitos de som gerados por computador

.”

(p.236) Mas Veta la Palma é diferente: “‘

É uma

coevolução entre a natureza e a capacidade pro-

dutiva da exploração. (…) Estamos nisto juntos. A

resposta da natureza foi mais forte do que espe-

rávamos e somos bons parceiros

.’” (p.241), diz

Miguel Medialdea, biólogo de Veta la Palma e

um especialista em relações

” (p.244) “‘

É um sis-

tema artificial saudável. Sim, artificial. Mas hoje

em dia, o que é que é natural?

’” (p.243). Um sis-

tema que leva o dobro do tempo para criar um

robalo e mantém uma produção baixa, sem

ultrapassar os limites do ecossistema: “

a quali-

dade das relações importa mais do que a quan-

tidade da captura

.” (p.245)

“‘

Não conseguimos ver 90 por cento do que se

passa entre as espécies em Veta la Palma.

(…)

Mas tenho a certeza absoluta de que todas elas

são aliadas do sistema

.’” diz ainda Medialdea.

Só explorações (sejam agropecuárias ou de

aquacultura) bem geridas e sustentáveis produ-

zem alimentos saborosos, razão pela qual todo

o gastrónomo tem de ser também um ambien-

talista. E cada exploração está ligada a um ecos-

sistema maior.

Ou seja, o coração não é uma bomba, porque

é a circulação que o faz bater e não o contrá-

rio: “

O coração não bombeia o sangue. O sangue

bombeia o coração

.” O coração limita-se a escu-

tar, “

funciona como um maestro, controlando o

ritmo da gestão celular

.” (p.267) Como a bomba

que gere as águas de Veta la Palma: “

a estação

está programada para reagir e não para contro-

lar o fluxo de água. E a diferença não é pequena

.”

É “

a tecnologia a trabalhar, lado a lado, com a

ecologia

.” Uma abordagem menos mecanicista

à ciência – mais parecida com a vida do que

com uma máquina (p.267).

O que se tornou claro para mim, depois de pas-

sar tanto tempo com produtores como Miguel,

Klaas ou Eduardo, foi que fazer agricultura com

as frustrantes complexidades da natureza – e até,

ou especialmente, com os supostos inimigos do

sistema – é inerente ao seu sucesso. É verdade

que os seus sistemas são ‘artificiais’ (o estuário

regulado por uma bomba de água de Veta la

Palma, as intricadas rotações culturais de Klaas,

a

dehesa

feita pelo homem, de Eduardo), mas

em todos estes casos a intervenção humana está

ao serviço da ecologia em vez de em oposição a

ela. Todos eles acolhem a diversidade do mundo

natural, trabalhando com as restrições da natu-

reza, acabando, no final, por beneficiar delas,

através da produção de alimentos com grande

sabor.”

(p.269) Todos eles, e também os

chefs

referidos, oferecem uma alternativa através de

um processo de consciencialização: “

Uma refei-

ção nas mãos de um

chef

como Ángel não é ape-

nas uma obra de arte; pode ser também um ras-

tilho para desencadear a mudança do sistema

alimentar

.” (p.305)

Parte IV – Semente – Um plano para o futuro

,

onde Barber fala do papel que a influência de

todos estes produtores, inovadores, descobrido-

res pode representar na reinvenção do sistema

alimentar. Para ele, a solução não é haver apenas

agricultura biológica e mercados locais de produ-

tores ou apenas grandes explorações e grandes

agronegócios. A solução passa por uma “

agricul-

tura do meio

” (p.329) de explorações de dimen-

são média, demasiado grandes para venderem

em mercados locais, mas talvez também dema-

siado pequenas para integrarem o megassistema

de distribuição alimentar. (p.330) Nos EUA, a ten-