cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR
N.º 9
SETEMBRO 2017
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mas e paisagens já não correspondentes – situação
comum mesmo em territórios com menor pressão
turística.
Dois aspetos são aqui relevantes numa estraté-
gia para o futuro. O primeiro, relacionado com o
eventual questionamento de ummodelo de desen-
volvimento que permitiu, nas últimas décadas, a
implementação de medi-
das de política agrícola e
de desenvolvimento rural
da União Europeia por
vezes pouco ajustadas às
prioridades nacionais e
locais. O segundo, decor-
rente parcialmente do pri-
meiro, relacionado com a
necessidade de (re)articu-
lar vínculos entre os siste-
mas agrários e os sistemas
alimentares locais onde
eventualmente se insere a
noção de fortalecimento das cadeias curtas. Con-
tudo, note-se que na noção de cadeia subsiste uma
insistência na especialização, na simplificação eco-
lógica que esteve e está na base do processo ero-
sivo já mencionado. Nesse sentido, para uma con-
sequente (re)invenção da
gastronomia, corresponde-
ria fazer uma (re)conexão
mais efetiva entre sistemas
e paisagens alimentares
tradicionais.
Isso não significa que não seja possível dispor no
país de um vasto património alimentar de base
territorial, cuja valorização se discute no contexto
da maior procura por produtos e serviços turísti-
cos associados com a (re)invenção da gastrono-
mia nacional. Pelo contrário. Portugal é talvez,
por diversas razões, um dos países europeus com
maior potencial nesse sentido. O elevado número
de produtos alimentares de qualidade diferenciada
é disso mesmo um sintoma.
Em função da estratégia montada para o efeito, isto
poderá talvez fazer-se mediante a intensificação
dos apoios intersetoriais para a agricultura fami-
liar, a reconversão (para a extensificação e diver-
sificação) de sistemas produtivos, a introdução de
novos indicadores para majoração de apoios dos
fundos comunitários ao investimento nas explo-
rações agrícolas; a maior transmissão de conhe-
cimentos intergeracionais,
a formação de jovens (e
menos jovens) em turismo
e culinária de base territo-
rial (algo pouco valorizado
no país) e a emergência e
(ou) consolidação de novas
formas participativas de
governança territorial.
A FAO pode dar um contri-
buto nesse domínio através
do programa de identifica-
ção e conservação dinâ-
mica de sistemas de património agrícola que foram
criados e mantidos por gerações de agricultores e
pastores com base em diversos recursos naturais
e práticas de gestão adaptadas localmente. Esses
sistemas refletem a evolução da humanidade, a
diversidade do seu conhe-
cimento e a sua profunda
relação com a natureza,
traduzindo-se numa mul-
tiplicidade de bens e ser-
viços relacionados com as
paisagens alimentares. Em Portugal, a região do
Barroso no norte do país é a primeira candidata e
outras poderão seguir-se.
Conclusão
Num país onde uma parte da população ainda não
valoriza os aspetos distintivos da sua identidade e
da sua cultura, o
Manifesto
dos
chefs
portugueses
e a importância por estes atribuída às nossas iden-
tidades alimentares terá, com certeza, uma reper-
A FAO pode dar um contributo nesse
domínio através do programa de
identificação e conservação dinâmica
de sistemas de património agrícola que
foram criados e mantidos por gerações
de agricultores e pastores com base em
diversos recursos naturais e práticas de
gestão adaptadas localmente.
Em Portugal, a região do Barroso no
norte do país é a primeira candidata e
outras poderão seguir-se.
… a gastronomia portuguesa não é
apenas uma herança identitária do
passado, mas uma variável-chave para o
futuro do país e seus territórios.