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cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR

N.º 9

SETEMBRO 2017

46

ção de cereais panificáveis.

Não é isso que venho com

este artigo defender, mas

sim a produção de cereais

panificáveis num regime de

agricultura diferenciada. O

pão é um alimento histó-

rico, de alto valor gastronó-

mico e cultural. É também

um alimento que sofreu um invasivo processo de

modernização, que levou a que praticamente todo

o pão consumido pelos portugueses seja produ-

zido num regime de produção industrial ou semi-

-industrial [2]. Também não venho defender que o

pão passe a ser todo produzido de forma artesa-

nal, porque grande parte dos portugueses não teria

forma de pagar o seu processo largamente mais

demorado e ineficiente, que teria que ser posto em

prática por mão-de-obra

bem mais especializada.

O facto é que, embora

não se consiga transfor-

mar todo o pão preparado

industrialmente em pão artesanal, acredito, sem a

menor das dúvidas, que há um mercado crescente

de consumidores interessados em pagar mais por

tal produto. Esta convicção é fundamentada pelo

vertiginoso crescimento do mercado biológico, por

exemplo. Em Portugal, deu-se um crescimento da

área cultivada em agricultura biológica de cerca

de 12%, a que correspondem perto de 4 000 pro-

dutores e 300 processadores/transformadores e

um valor total de produ-

ção superior a 22 milhões

de euros [3]. Mesmo assim,

segundo a AGROBIO, já há,

em Portugal, o dobro da

procura em relação à pro-

dução nacional de pro-

dutos biológicos. No que

toca a cereais panificáveis,

a oferta é nula ou pratica-

mente nula.

Em 2016, comparecendo

nas comemorações do Dia

do Agricultor, organiza-

das anualmente no INIAV

de Elvas, verifiquei que a

aposta em cereais pani-

ficáveis se tem orientado

para a produção de trigos

melhoradores. Estas varie-

dades, apesar de geralmente menos produtivas,

têm potencial genético para ter teores de glúten

mais elevados, adquirindo assim um valor comer-

cial superior. No entanto, face aos solos pobres

do Alentejo, são variedades muito exigentes, obri-

gando a adubação intensiva. Os resultados têm

sido positivos em regadio, mas extremamente

inconstantes no sequeiro. Não chovendo, a pene-

tração dos adubos de cobertura nos solos, torna-se

muito difícil obtendo-se,

por consequência, trigos

pouco proteicos e dese-

quilibrados. Por equilíbrio,

entende-se uma boa pro-

porção entre as proteínas

constituintes do glúten – as gliadinas e as gluteni-

nas -, para que a farinha apresente uma boa rela-

ção entre P (tenacidade) e L (extensibilidade), per-

mitindo uma fácil manipulação das massas (cada

vez mais mecanizada) e a obtenção de pães leves e

alveolados. O Alentejo tem, no entanto, face a paí-

ses mais temperados e com chuvas mais constan-

tes, uma vantagem. O clima seco e o forte calor que

se faz sentir na altura das colheitas, no Verão, dis-

pensa a utilização intensiva

de pesticidas e fungicidas

e permite uma boa con-

servação do grão ao longo

do ano, sem recurso a mui-

tos tratamentos químicos.

Tendo em conta esta vanta-

gem, os agricultores alente-

janos têm vindo a apostar

na certificação BTP, cereais

com baixo teor de pestici-

O pão é um alimento histórico, de alto

valor gastronómico e cultural. É também

um alimento que sofreu um invasivo

processo de modernização, que levou a

que praticamente todo o pão consumido

pelos portugueses seja produzido num

regime de produção industrial ou semi-

industrial.

… embora não se consiga transformar

todo o pão preparado industrialmente

em pão artesanal, … há um mercado

crescente de consumidores interessados

em pagar mais por tal produto.

O Alentejo tem, no entanto, face a

países mais temperados e com chuvas

mais constantes, uma vantagem. O

clima seco e o forte calor que se faz

sentir na altura das colheitas, no Verão,

dispensa a utilização intensiva de

pesticidas e fungicidas e permite uma

boa conservação do grão ao longo do

ano, sem recurso a muitos tratamentos

químicos.