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Paisagens alimentares e a (re)invenção da gastronomia em Portugal

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As tradições na alimentação refletem, normalmente,

uma longa experiência e uma lógica nutricional

nada menosprezáveis. Podem, por isso, comprova-

damente, proteger a saúde e são parte fundamen-

tal de paisagens alimentares crescentemente valo-

rizadas pelos turistas pós-modernos.

A (re)invenção da gastronomia e o turismo

“ …reconhecemos o valor dos pequenos produtores,

os produtos autóctones e produzidos localmente,

fomentando a sustentabilidade dos modos de pro-

dução e procurando recuperar produtos esquecidos

e diferenciadores do nosso território”

O parágrafo anterior, reti-

rado do

Manifesto

já men-

cionado

anteriormente,

ilustra a dinâmica em curso

na última década na rela-

ção entre gastronomia,

conhecimento

tradicio-

nal e sociedade (incluindo

a visão desta última sobre

a primeira). Com efeito, a

relação entre determina-

dos territórios, suas pai-

sagens alimentares e a

oferta gastronómica apare-

cem agora como fenómenos quase naturais. Isso

resulta da conjugação temporal de vários interes-

ses, incluindo a crescente aproximação da gastro-

nomia à saúde.

Nesse processo, a culinária e a gastronomia pas-

sam a formar a base de novos estilos de vida e

identidades

9

, tal como referido por Pierre Bordieu

em 1984. Para isto contribuiu, como argumenta-

sado, encontram-se argumentos interessantes que pas-

sam por retirar a essa média o efeito da (grande) dimi-

nuição da mortalidade infantil.

9

A alimentação, necessidade humana fundamental, difun-

de-se facilmente como marca identitária.

ram Giddens (1990) e Bauman (1997), a condição

pós-moderna, caracterizada por níveis crescentes

de insegurança social e pessoal. Nesse contexto,

as pessoas procuraram novas fontes de autentici-

dade e segurança. De preocupação periférica de

uma pequena elite a “fetiche televisivo” e preocu-

pação com a saúde na vida quotidiana, a gastrono-

mia (re)inventa-se, optando pelo distanciamento

em relação à “alimentação sem lugar”.

Neste contexto, têm surgido nos últimos anos uma

série de estudos sobre esta nova gastronomia e

sua relação com o turismo em Portugal. Este vín-

culo tem sido usado de diversas formas, incluindo

os efeitos promocionais

baseados em alimentos

regionais ou nacionais dis-

tintos ou “típicos”, os quais,

face à concorrência global

na indústria do turismo,

são crescentemente utili-

zados como uma forma de

orientar turistas para deter-

minados territórios.

Mas será importante ter

em conta que o modelo de

desenvolvimento das últi-

mas décadas em Portugal

pode ter contribuído para a erosão dos sistemas

agrários tradicionais e respetivas paisagens ali-

mentares. São sinais e consequências dessa ero-

são a emergência de novos fenómenos de deser-

tificação populacional, a degradação paisagística

e ambiental (incluindo maior suscetibilidade aos

fogos florestais) e diversas mudanças de padrões

alimentares (mesmo em meio rural).

A emergência e a importância que adquiriram

diversas patologias originadas na alimentação

(sobrepeso, obesidade, cancro, diabetes e hiper-

tensão) são uma das faces dessa moeda. A outra

serão várias culinárias em transição, ou seja, a per-

manência de culinárias “típicas” assentes em siste-

… o modelo de desenvolvimento

das últimas décadas em Portugal

pode ter contribuído para a erosão

dos sistemas agrários tradicionais e

respetivas paisagens alimentares. São

sinais e consequências dessa erosão

a emergência de novos fenómenos

de desertificação populacional, a

degradação paisagística e ambiental

(incluindo maior suscetibilidade aos

fogos florestais) e diversas mudanças de

padrões alimentares (mesmo em meio

rural).