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cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR

N.º 9

SETEMBRO 2017

40

para Agricultura e Alimentação (FAO) ou ainda a

Organização Mundial de Saúde (OMS).

Sabemos melhor hoje, por exemplo, que pequenas

deficiências crónicas de nutrientes podem causar

danos ao ADN e lesões oxidativas precursoras de

vários tipos de cancro

4

. Se uma dieta mais rica em

hortofrutícolas frescos poderia reduzir a deficiên-

cia emmicronutrientes, parece que teríamos neces-

sidade de comer um volume muito maior desses

produtos para se obterem os micronutrientes que

anteriormente obtínhamos em produtos oriundos

de modelos produtivos mais tradicionais.

De igual modo, nas últimas décadas, nos sistemas

de produção animal, passou-se a alimentar os ani-

mais com sementes (grãos e rações) ao invés de

vegetais (por exemplo, pastagens). Os primeiros pos-

suem,

maioritariamente,

ácidos gordos Ómega 6 e

os segundos, Ómega 3. A

indústria não utiliza Ómega

3 pela sua maior propensão

à oxidação. Hoje sabemos

5

que o importante é a pro-

porção entre ambos no organismo e essa tem vindo

a reduzir-se significativamente. Nada problemático

não fosse o Ómega 3 ser fundamental na prevenção

da infeção, de doenças cardiovasculares, Alzheimer

e AVCs

6

.

Ao mesmo tempo, a tendência para a simplifica-

ção dos sistemas agrários levou a uma simplifica-

ção das dietas que hoje são, globalmente, centra-

das em quatro produtos: milho, soja, arroz e trigo.

Esses produtos representam, atualmente, cerca de

dois terços das calorias consumidas a nível mun-

4

Trabalhos de Bruce Nathan Ames, bioquímico, professor

de Bioquímica e Biologia Molecular na Universidade de

Berkeley, Califórnia.

5

Alport, Susan (2006)

6

Curiosamente, a beldroega (

Portulaca oleracea L

.), muito

presente em Portugal, apresenta os maiores níveis de

Ómega 3 de entre as espécies vegetais.

dial. Isto por oposição às perto de oitenta mil espé-

cies historicamente utilizadas pela humanidade na

alimentação.

Como resultado desta evolução temos, crescente-

mente, que adicionar suplementos alimentares às

nossas dietas. Mas estes não têm o mesmo efeito

que o alimento completo que os detinha. Sabe-

mos, por exemplo, que uma dieta rica em cereais

integrais reduz a mortalidade por todas as cau-

sas. Sabemos, também, que ajustando os níveis de

toma de todos os componentes bons dos cereais

integrais, nomeadamente, fibra alimentar, vitamina

E, ácido fólico, acido fítico, magnésio, manganês,

ferro e zinco, ainda assim, o consumo equivalente

dos cereais integrais trará um beneficio suplemen-

tar à saúde (que nenhum dos componentes acima,

isolada ou conjuntamente, consegue igualar).

Na tentativa de expli-

car o inexplicável chega-

-se, assim, ao conceito de

“sinergia alimentar”

7

, que

de forma simplificada tra-

duz (para novas audiências)

o que o conhecimento e a dieta tradicionais sabiam

há vários séculos. Cozinhamos tomates com azeite,

por exemplo, porque nos transmitiram que era bom

e não porque a ciência nos disse (recentemente)

que dessa forma o licopeno dos tomates ficaria

mais disponível no organismo. Esse é um dos papéis

da cultura alimentar tradicional. Ela quase sempre

soube o que, quanto, como e porque comer. E man-

teve-se viva (apesar da erosão sofrida), porque, no

geral, contribuiu e continua a contribuir, para man-

ter as pessoas com prazer no ato de comer e maio-

ritariamente saudáveis por mais tempo

8

.

7

A sinergia alimentar pode definir-se, sem grandes preten-

sões, quando combinamos dois ou mais alimentos que

ingeridos conjuntamente permitem a circulação e absor-

ção celular conjunta dos seus compostos.

8

Aliás, uma discussão importante refere-se à esperança

média de vida. Contra a ideia de que vivemos hoje muito

mais em média do que vivíamos no início do século pas-

… a tendência para a simplificação

dos sistemas agrários levou a uma

simplificação das dietas que hoje são,

globalmente, centradas em quatro

produtos: milho, soja, arroz e trigo.