Vamos comer o que nos rodeia – e isso é só o início da mudança
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Em Portugal, também há bons exemplos – basta ver
como muitos municípios fazem um excelente traba-
lho na valorização e divulgação de produtos locais.
Não sendo possível falar de todos, gostaria de citar
aqui um desses exemplos: o porco bísaro. Raça
autóctone do Norte do país, o porco bísaro estava
quase extinto em Portugal por ser considerado
menos rentável que outras raças. Em 1995, Carla
Alves, uma engenheira zootécnica sensível a este
problema foi à procura dos
poucos animais que ainda
existiam e foi a partir desses
exemplares que se deu iní-
cio a um trabalho de recu-
peração da raça.
Por seu lado, a Câmara
Municipal de Vinhais, que
organiza a Feira do Fumeiro, estava preocupada
com a queda de qualidade dos produtos do fumeiro
regional e por isso decidiu apoiar o projeto do porco
bísaro. Uma fiscalização dos produtos da feira per-
mitiu concluir que se estava a usar carne de pior
qualidade. Era preciso voltar a usar o bísaro, mas o
problema era a falta de animais.
Foi necessário convencer os produtores locais a
trocarem as raças estrangeiras mais rentáveis pelo
bísaro, mas para isso era preciso que este fosse
valorizado e pago a um preço justo – e aí surgiu o
pedido de proteção comunitária para os produtos
do fumeiro, que culminou no Fumeiro de Vinhais
IGP (Indicação Geográfica Protegida) e no Porco
Bísaro DOP (Denominação de Origem Protegida).
Foi a ligação com os enchidos certificados que per-
mitiu salvar o bísaro da extinção, percebi eu num
trabalho que fiz em 2013 sobre o que levava ao
sucesso ou ao insucesso dos produtos DOP.
Outros bons exemplos são os que ligam os produ-
tos locais ao turismo. Como sabemos, há um inte-
resse crescente de quem visita um país em conhe-
cer não apenas os monumentos mas também as
tradições e práticas locais. O sucesso do enotu-
rismo tem tudo a ver com isso – e aí, mais uma
vez, o setor do vinho apontou o caminho que pode
ser seguido por outros produtos.
É importante ligar a paisagem ao que comemos,
mostrar de onde vem o que (desejavelmente)
encontramos nos restaurantes da região, e quem
estiver interessado em aprofundar pode até envol-
ver-se numa atividade agrícola, seja a vindima e a
pisa a pé, seja a ida à pesca
ou simplesmente a passa-
gem pelo mercado local
para comprar o peixe dire-
tamente à peixeira.
Mais recentemente fiz, com
a Francisca Gorjão Hen-
riques, no PÚBLICO, um
artigo em que lançávamos uma questão que não
sendo diretamente a da ligação entre a agricul-
tura e a gastronomia está próxima dela: que estra-
tégia existe para a promoção da gastronomia por-
tuguesa internacionalmente? A conclusão? Existem
várias iniciativas dispersas, mas não existe ainda
uma estratégia integrada que valorize em conjunto
toda a fileira ligada à produção/alimentação.
Mostrávamos, nesse trabalho, exemplos de outros
países. Uma das pessoas que ouvimos foi Pelle
Anderson, presidente da
Food Organization of
Denmark
(organização privada com 30% de fun-
dos públicos). E o que diz ele? “O processo coinci-
diu com uma revolução na produção alimentar. A
Dinamarca é um país industrial, com uma produ-
ção agrícola industrial muito forte. Este movimento
começou e muitos pequenos produtores, de queijo,
de cerveja, de todo o tipo de produtos, começaram
a conseguir produzir a uma escala mais pequena.”
Em simultâneo, arrancava o movimento da pro-
dução biológica, “também muito inspirado pelo
mundo da restauração”.
Um exemplo: neste momento, das 50 mil refeições
preparadas em Copenhaga para escolas e centros
… que estratégia existe para a
promoção da gastronomia portuguesa
internacionalmente? A conclusão?
Existem várias iniciativas dispersas,
mas não existe ainda uma estratégia
integrada que valorize em conjunto toda
a fileira ligada à produção/alimentação.