Table of Contents Table of Contents
Previous Page  29 / 112 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 29 / 112 Next Page
Page Background

Vamos comer o que nos rodeia – e isso é só o início da mudança

27

Em Portugal, também há bons exemplos – basta ver

como muitos municípios fazem um excelente traba-

lho na valorização e divulgação de produtos locais.

Não sendo possível falar de todos, gostaria de citar

aqui um desses exemplos: o porco bísaro. Raça

autóctone do Norte do país, o porco bísaro estava

quase extinto em Portugal por ser considerado

menos rentável que outras raças. Em 1995, Carla

Alves, uma engenheira zootécnica sensível a este

problema foi à procura dos

poucos animais que ainda

existiam e foi a partir desses

exemplares que se deu iní-

cio a um trabalho de recu-

peração da raça.

Por seu lado, a Câmara

Municipal de Vinhais, que

organiza a Feira do Fumeiro, estava preocupada

com a queda de qualidade dos produtos do fumeiro

regional e por isso decidiu apoiar o projeto do porco

bísaro. Uma fiscalização dos produtos da feira per-

mitiu concluir que se estava a usar carne de pior

qualidade. Era preciso voltar a usar o bísaro, mas o

problema era a falta de animais.

Foi necessário convencer os produtores locais a

trocarem as raças estrangeiras mais rentáveis pelo

bísaro, mas para isso era preciso que este fosse

valorizado e pago a um preço justo – e aí surgiu o

pedido de proteção comunitária para os produtos

do fumeiro, que culminou no Fumeiro de Vinhais

IGP (Indicação Geográfica Protegida) e no Porco

Bísaro DOP (Denominação de Origem Protegida).

Foi a ligação com os enchidos certificados que per-

mitiu salvar o bísaro da extinção, percebi eu num

trabalho que fiz em 2013 sobre o que levava ao

sucesso ou ao insucesso dos produtos DOP.

Outros bons exemplos são os que ligam os produ-

tos locais ao turismo. Como sabemos, há um inte-

resse crescente de quem visita um país em conhe-

cer não apenas os monumentos mas também as

tradições e práticas locais. O sucesso do enotu-

rismo tem tudo a ver com isso – e aí, mais uma

vez, o setor do vinho apontou o caminho que pode

ser seguido por outros produtos.

É importante ligar a paisagem ao que comemos,

mostrar de onde vem o que (desejavelmente)

encontramos nos restaurantes da região, e quem

estiver interessado em aprofundar pode até envol-

ver-se numa atividade agrícola, seja a vindima e a

pisa a pé, seja a ida à pesca

ou simplesmente a passa-

gem pelo mercado local

para comprar o peixe dire-

tamente à peixeira.

Mais recentemente fiz, com

a Francisca Gorjão Hen-

riques, no PÚBLICO, um

artigo em que lançávamos uma questão que não

sendo diretamente a da ligação entre a agricul-

tura e a gastronomia está próxima dela: que estra-

tégia existe para a promoção da gastronomia por-

tuguesa internacionalmente? A conclusão? Existem

várias iniciativas dispersas, mas não existe ainda

uma estratégia integrada que valorize em conjunto

toda a fileira ligada à produção/alimentação.

Mostrávamos, nesse trabalho, exemplos de outros

países. Uma das pessoas que ouvimos foi Pelle

Anderson, presidente da

Food Organization of

Denmark

(organização privada com 30% de fun-

dos públicos). E o que diz ele? “O processo coinci-

diu com uma revolução na produção alimentar. A

Dinamarca é um país industrial, com uma produ-

ção agrícola industrial muito forte. Este movimento

começou e muitos pequenos produtores, de queijo,

de cerveja, de todo o tipo de produtos, começaram

a conseguir produzir a uma escala mais pequena.”

Em simultâneo, arrancava o movimento da pro-

dução biológica, “também muito inspirado pelo

mundo da restauração”.

Um exemplo: neste momento, das 50 mil refeições

preparadas em Copenhaga para escolas e centros

… que estratégia existe para a

promoção da gastronomia portuguesa

internacionalmente? A conclusão?

Existem várias iniciativas dispersas,

mas não existe ainda uma estratégia

integrada que valorize em conjunto toda

a fileira ligada à produção/alimentação.