cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR
N.º 9
SETEMBRO 2017
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Com Soren Wiuff, falámos sobre algumas das pre-
missas do movimento da nova gastronomia nór-
dica, nomeadamente a ideia de
foraging
, ou seja
de apanhar ervas e plantas que crescem selvagens
nos campos e aproveitá-las
para a nossa alimentação.
O agricultor mostrou-se um
pouco crítico dessa ideia
romântica, defendendo que
se todos nos pusermos a
apanhar plantas selvagens,
elas acabarão por desapa-
recer. O melhor, na pers-
petiva de Soren Wiuff seria
introduzi-las na produção.
Vale a pena reproduzir aqui um parágrafo desse
texto que toca outro ponto que me parece funda-
mental para o debate sobre a ligação entre a gas-
tronomia e a agricultura:
“Há sobretudo uma coisa
que dá prazer a Soren –
vender os seus produtos a
quem lhes reconhece qua-
lidade. ‘Quando se vende
a um supermercado nunca
se ouve ‘ahh, é um bom
produto’, porque se elo-
giam têm que pagar mais.
É melhor vender aos restau-
rantes. Aí ouvimos o elogio,
mas também nos dizem
quando as coisas não estão bem. Isso é muito
importante para a nossa autoestima. E os produto-
res têm que ter uma autoestima alta.”
Logo aqui começa a perceber-se a importância de
uma relação próxima entre cozinheiros e produto-
res. Numa época em que
os
chefs
atingiram um esta-
tuto de estrelas, parece-me
injusto que não se olhe
mais atentamente para o
trabalho dos agricultores e
produtores. Felizmente, a pouco e pouco, esta ideia
tem feito o seu caminho e, se bem que ainda não
tenhamos produtores nas capas das revistas, temos
já muitos
chefs
que aproveitam a visibilidade que
conquistaram para não se
promoverem apenas a si
próprios, mas também os
produtores com os quais
trabalham.
Mais tarde conheci em Por-
tugal o trabalho extraor-
dinário de Maria José
Macedo, da Quinta do Poial,
em Azeitão, e a relação que
esta produtora, entretanto falecida (mas cujo tra-
balho está a ser continuado pela filha, Joana), fazia
com vários
chefs
. Umas vezes eram estes que lhe
pediam para experimentar produzir algum pro-
duto que queriam introdu-
zir nos seus pratos, outras
vezes era ela que os desa-
fiava com algo que tinha
testado no Poial. Este é
apenas um bom exemplo,
há outros, claro, mas ainda
pontuais. Esperemos que
se multipliquem. A proxi-
midade entre produtores e
cozinheiros é fundamental
para uma visão integrada
do que comemos e do que
produzimos – a tal ideia de uma paisagem comes-
tível à nossa volta.
Ao longo dos anos seguintes, continuei a trabalhar e
a aprofundar os temas da gastronomia, que, como
jornalista do PÚBLICO, sempre defendi que deviam
ser tratados de forma tam-
bém ela integrada. Para
mim, nunca fez sentido que
a “gastronomia” fosse uma
secção, com críticos gastro-
nómicos a escreverem ape-
Há sobretudo uma coisa que dá prazer
a Soren – vender os seus produtos a
quem lhes reconhece qualidade. ‘Quando
se vende a um supermercado nunca se
ouve ‘ahh, é um bom produto’, porque se
elogiam têm que pagar mais. É melhor
vender aos restaurantes. Aí ouvimos o
elogio, mas também nos dizem quando as
coisas não estão bem.
Numa época em que os chefs atingiram
um estatuto de estrelas, parece-me
injusto que não se olhe mais atentamente
para o trabalho dos agricultores e
produtores. Felizmente, a pouco e pouco,
esta ideia tem feito o seu caminho e, se
bem que ainda não tenhamos produtores
nas capas das revistas, temos já muitos
chefs que aproveitam a visibilidade
que conquistaram para promoverem os
produtores com os quais trabalham.
A proximidade entre produtores e
cozinheiros é fundamental para uma
visão integrada do que comemos e do
que produzimos – a tal ideia de uma
paisagem comestível à nossa volta.