cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR
N.º 8
JUNHO 2017
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cies não cultivadas que apoiam a produção agrí-
cola, incluindo microbiotas de solo, polinizadores
e outros insetos, como abelhas, borboletas, minho-
cas, moscas, etc.; e iii) espécies não cultivadas pre-
sentes na matriz ambiental, que formam uma estru-
tura e paisagem que apoia os ecossistemas de
produção de alimentos (funcionando como habitat
de espécies auxiliares, como zonas de remediação
de alguns impactes da agricultura, etc.).
Caixa 2 – Exemplo de agrobiodiversidade de espé-
cies não cultivadas
A regulação de populações de pragas agrícolas cons-
titui um dos serviços de ecossistema com particu-
lar relevância no âmbito da proteção fitossanitá-
ria das culturas. Este serviço está dependente da
existência de adequada biodiversidade funcional,
no interior e na vizinhança das explorações agríco-
las, que garanta os recursos necessários à conser-
vação das comunidades de inimigos naturais das
pragas, nomeadamente parasitoides, predadores e
patogénicos, responsáveis pela sua limitação natu-
ral (Franco
et al
. 2006; Begg
et al
., 2016). A valora-
ção da limitação natural de pragas possibilita uma
melhor perceção da importância que este serviço de
ecossistema tem na sustentabilidade dos sistemas
agrícolas. No entanto, são relativamente escassos
os estudos sobre esta temática. Referem-se seguida-
mente alguns exemplos. Em termos globais, o valor
deste serviço foi avaliado em 417 dólares por hec-
tare (Costanza
et al
., 1997). Losey & Vaughan (2006)
estimaram que o valor da limitação natural das pra-
gas das culturas, nos EUA, correspondia a 4,5 mil
milhões de dólares anuais. Segundo Naranjo
et a
l.
(2015), o custo evitado em tratamentos inseticidas,
devido à limitação natural, varia entre 0 e 2 202 dóla-
res por hectare, em função dos sistemas culturais.
Um estudo recente, realizado na Flandres (Bélgica),
em pomares de pereira, em produção biológica, esti-
mou que para o setor, na região, o valor da limita-
ção natural das populações de psila,
Cacopsylla pyri
L
. (Hemiptera: Psyllidae), resultante da ação de três
espécies de insetos predadores, representava cerca
de 16,6 milhões de euros (Daniels
et al
., 2017).
Contudo, para que os agricultores e os
stakeholders
envolvidos na cadeia de valor de diferentes filei-
ras agrícolas possam usar a agrobiodiversidade de
forma a potenciar os serviços de ecossistema, tem
que haver conhecimento sobre a biodiversidade, as
suas diferentes tipologias, as funções que exercem
e como a podem usar em seu benefício. O conhe-
cimento que os agricultores e outros
stakeholders
da cadeia de valor agroalimentar têm da biodiver-
sidade de forma direta ou indireta é ainda insufi-
ciente (Jackson
et al
, 2007). Em particular, é limi-
tado o conhecimento do efeito combinado das
funções ecológicas e societais na agrobiodiversi-
dade, assim como não está claro qual a sua contri-
buição para a produção de bens e serviços do ecos-
sistema e o seu valor para a sociedade em geral.
Por último, será importante saber quais as opções
de gestão das práticas agrícolas mais sustentáveis
que otimizam a conservação da biodiversidade a
diferentes escalas (Jackson
et al
., 2007).
O conhecimento sobre a biodiversidade é uma limi-
tação desta abordagem e requer, na sua base, infor-
mação sobre a ocorrência das espécies biológicas.
Esta informação tem sido desde sempre compilada,
Caixa 3 – A importância da agrobiodiversidade da
matriz envolvente
Os benefícios gerados pela agrobiodiversidade
atuam a diferentes escalas. Por exemplo, enquanto
a regulação da fertilidade do solo, feita por minho-
cas e outros organismos do solo, beneficia a produ-
ção agrícola no local, a retenção de sedimentos feita
pela vegetação a montante contribui para a manu-
tenção da qualidade da água a jusante, ou a manu-
tenção de núcleos com flores para atrair poliniza-
dores num campo agrícola, beneficia todas as áreas
circundantes dentro do raio de movimentação dos
polinizadores. Assim, a gestão da agrobiodiversi-
dade deve ser pensada a diferentes escalas, sabendo
que os benefícios usufruídos numa vinha, pomar ou
campo de cultivo, dependem das práticas de gestão
agrícola à escala da parcela e da propriedade, e tam-
bém das opções de gestão da paisagem.