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cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR

N.º 8

JUNHO 2017

18

florestal originário: menor complexidade estrutu-

ral do ambiente, logo menor diversidade alfa, con-

jugada com menor diversidade beta, como vimos.

No entanto, é possível que as espécies dos espaços

abertos, entretanto ganhas, tenham um estatuto de

conservação mais elevado do que as espécies flo-

restais perdidas. Este é efetivamente o caso num

estudo comparativo condu-

zido por Stoate

et al

. (2003),

que compara o ecossistema

montado (mais próximo

da floresta natural) com

a pseudo-estepe cerealí-

fera de sequeiro no Sul de

Portugal. Os autores con-

cluem que: ”embora o mon-

tado suporte uma superior

diversidade de espécies

à escala local, as estepes

aráveis extensivas contribuem de modo impor-

tante enquanto habitat para espécies globalmente

ameaçadas como a abetarda

Otis tarda

, o france-

lho

Falco naumanni

e outras espécies cujo estado

de conservação é preocupante a nível nacional ou

global. Neste estudo, a maior parte das espécies

observadas no montado são espécies de transi-

ção, que também ocorrem noutros tipos de habi-

tat. Estas espécies generalistas não estão tão amea-

çadas como aquelas que dependem das condições

específicas associadas às estepes aráveis extensi-

vas” (p. 38).

Alguns destes efeitos positivos de sistemas agrários

extensivos na biodiversidade podem ser mais bem

entendidos à luz da hipótese do nível intermédio

de perturbação acima referida. Uma perturbação

ecológica é uma mudança temporária nas condi-

ções ambientais (incêndio, cheia, seca, invasão de

pragas...) que muda profundamente a estrutura de

uma comunidade ou de um ecossistema e a dispo-

nibilidade de recursos, incluindo o substrato ou o

ambiente físico (Meffe e Carroll 1997). Muitas plan-

tas e animais beneficiam das condições criadas

por uma perturbação, sendo que algumas espé-

cies, com elevada capacidade de dispersão e ocu-

pação (colonizadoras por vocação) dependem da

existência de perturbações. Outras espécies, como

plantas intolerantes face à sombra, dependem tam-

bém da existência de perturbações periódicas, que

bloqueiem a sucessão para cobertos arbóreos mais

densos.

Na ausência de perturba-

ções, outras espécies –

aquelas com maior capa-

cidade competitiva – vão

eliminando as concorren-

tes e o número de espécies

pode diminuir. Fica então

clara uma função ecológica

da perturbação: criar man-

chas de habitat adequado

para as espécies abundan-

tes nas etapas iniciais da sucessão, mas que são

sucessivamente excluídas pela competição em eta-

pas mais avançadas. Por outro lado, perturbações

muito extensas, frequentes ou intensas podem eli-

minar grande parte das espécies de paisagens intei-

ras, restando apenas as mais tolerantes ao tipo de

perturbação em causa.

Deste modo, uma paisagem sujeita a um regime

de perturbações de extensão, frequência e inten-

sidade intermédias, caracterizada por manchas em

diversas etapas da sucessão ecológica (que se inicia

logo após a perturbação) proporcionará um meio

variado, que fornecerá habitat a um considerável

número de espécies. Estas encontram sempre, em

cada momento no tempo, uma mancha de habitat

favorável onde sobreviver e a partir da qual colo-

nizar outras manchas de habitat que vão surgindo

ao longo do ciclo ”perturbação – sucessão – per-

turbação”.

Foi com base nestas ideias que Connell propôs, em

1978, a hipótese do nível de perturbação intermé-

dio, segundo a qual a biodiversidade é máxima em

ecossistemas sujeitos a perturbações intermédias

… a hipótese do nível de perturbação

intermédio, segundo a qual a

biodiversidade é máxima em

ecossistemas sujeitos a perturbações

intermédias quanto à respetiva extensão,

frequência e intensidade. Esta noção

questionou velhas ideias segundo as

quais a diversidade biológica seria

máxima em ecossistemas em equilíbrio

(clímax da sucessão) e não perturbados.