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cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR

N.º 8

JUNHO 2017

22

orientalis

(ancestral da ervilheira),

Cicer reticulatum

(ancestral do grão-de-bico-selvagem) ou

Lens culi-

naris

subsp

. orientalis

(ancestral da lentilha). Esta

associação dos ancestrais de plantas cultivadas a

ambientes eutróficos é um padrão comum a todos

os centros de origem das plantas cultivadas.

Embora as causas da invenção e da expansão da

agricultura sejam objeto de aceso debate, muitos

autores admitem que a agricultura é uma opção

natural de quem conhece profundamente a uti-

lidade e a ecologia das

plantas, e enfrenta, repen-

tinamente, uma crise de

penúria alimentar. A pulsa-

ção fria do Dryas Recente

(12 900-11 700 antes do pre-

sente) poderá ter sido o

estímulo necessário (Hill-

man, Mason, de Moulins, & Nesbitt, 1996). Com

todas as suas vicissitudes – e.g. a exposição a zoo-

noses e a baixa qualidade nutritiva da dieta –, a

agricultura trouxe consigo uma estabilização do

abastecimento de alimentos ao longo do ano e

mesmo de vários anos consecutivos, que se tradu-

ziu num incremento do sucesso reprodutivo dos

indivíduos agricultores (Shenan, 2002). As intera-

ções entre as sociedades humanas, as plantas cul-

tivadas, os animais domésticos e os agroecossis-

temas aprofundaram-se ao longo do tempo. Em

pouco mais de 12 000 anos, evoluíram do encon-

tro fortuito de grupos deambulantes de caçadores-

-recoletores com plantas e animais edíveis em pai-

sagens pristinas ou escassamente alteradas pelo

homem, para ecossistemas sem equivalente natu-

ral, preenchidos com plantas e animais profunda-

mente modificados, primeiro pelo convívio com a

espécie humana e depois pelo melhoramento deli-

berado. A produtividade primária começou por ser

independente dos interesses da espécie humana; a

domesticação de plantas e o desenho de agroecos-

sistemas aumentou a produção de biomassa total e

de biomassa edível por unidade de área.

No contínuo de domesticação entre os genótipos

selvagens e as plantas domesticadas totalmente

dependentes do homem reconhecem-se cinco eta-

pas (Clement, 1999):

Plantas selvagens – Populações naturais não

modificadas pela ação do homem;

Coevolução acidental – Populações de plantas

adaptadas a habitats perturbados pelo homem,

não sujeitas a seleção artificial, com eventuais

alterações genéticas. As infestantes, muitas

plantas medicinais, algu-

mas plantas indígenas de

uso alimentar (e.g.

Rubus

)

e, certamente, muitas das

plantas

das

pastagens

seminaturais (e.g. lameiros)

caem nesta categoria;

Domesticação incipiente – Populações de plan-

tas úteis modificadas por seleção artificial simila-

res às populações ancestrais, i.e., com caracterís-

ticas que cabem na variação natural da espécie.

As espécies pratenses de melhoramento recente

(e.g. trevo-subterrâneo e panasco) e algumas fru-

teiras do Cerrado Brasileiro (e.g.

Annona crassifo-

lia

) são bons exemplos;

Semi-domesticação – Populações muito modi-

ficadas pelo homem, com características diver-

gentes das populações indígenas, que man-

têm a capacidade de retornar aos ecossistemas

naturais, sem intervenção humana. Uma vez

assilvestradas, retomam as características das

populações ancestrais. (Castanheiros, videira e

amendoeira)

Domesticação – As plantas domesticadas, além

de morfológica e geneticamente divergentes

frente às populações indígenas, são incapazes

de sobreviver fora dos habitats criados e manti-

dos pelo homem. A maior parte das fruteiras, das

plantas hortícolas, das leguminosas e dos cereais

cabem neste tipo.

… muitos autores admitem que a

agricultura é uma opção natural de

quem conhece profundamente a utilidade

e a ecologia das plantas, e enfrenta,

repentinamente, uma crise de penúria

alimentar.