A agricultura como utilizadora de diversidade genética
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Esta classificação pode-
ria, sem grande esforço, ser
generalizada aos animais
domesticados.
A domesticação de animais
eplantaséumprocessomul-
tidimensional que decor-
re, paralelamente, às esca-
las do ecossistema e da
população de plantas cul-
tivadas (e flora adventícia
associada) ou das espécies animais criadas em
cativeiros (Wiersum, 2008). Embora a seleção arti-
ficial de plantas (e animais) pelo seu fenótipo (e.g.
recolha de semente nas plantas de espigas maio-
res, mais bem conformadas) tenha estado presente
nas primeiras etapas da agricultura, a evolução das
plantas cultivadas foi também o produto de alte-
rações produzidas ao nível do ecossistema agrí-
cola. “Cultivar [e criar animais] é domesticar” (Har-
lan, 1995). Os primeiros agroecossistemas eram
essencialmente constituídos por plantas próximas
de plantas de domesticação incipiente ou semi-
-domesticadas; os modernos sistemas de agricul-
tura são construídos em torno de plantas genética
e morfologicamente divergentes dos seus ances-
trais selvagens. À escala da paisagem, os comple-
xos de vegetação florestal
com dinâmica de clareira
(
gap dynamics
) deram ori-
gem a paisagens monó-
tonas reduzidas a poucas
espécies de plantas cultiva-
das e um cortejo de infes-
tantes agressivas.
As características [
traits
]
sujeitas a um longo e
intenso processo de seleção natural, muito possi-
velmente, não são manipuláveis por seleção artifi-
cial (Denison, 2012). Por conseguinte, no processo
de domesticação, por exemplo, os ganhos genéti-
cos na resistência à secura ou à oligotrofia foram
escassos. A seleção artifi-
cial trabalhou o mais fácil:
aumentou a produtividade,
desviando os fotoassimila-
dos em direção às partes
úteis e exaltando a natureza
eutrófica herdada dos seus
ancestrais diretos. Assim
como as plantas cultiva-
das mantiveram caracterís-
ticas ecológicas das espé-
cies progenitoras, também
nos ecossistemas cultivados se encontram particu-
laridades dos ecossistemas que lhes deram origem
(e.g. trofia dos solos).
Há evidências claras de que a prática da agricul-
tura, excetuando talvez nas sociedades hidráulicas,
se refletiu em perdas significativas de fertilidade da
terra (Aguilera
et al
., 2008; MacDonald, Bennett, &
Taranu, 2012). A partir do momento em que a agri-
cultura se sedentarizou, produzir folhas, sementes
e frutos nutritivos, ricos em azoto, fósforo e outros
nutrientes capturados no solo, obrigou os agriculto-
res a restaurar, geralmente em ciclos anuais, a fer-
tilidade da terra e a aumentar o período de perma-
nência dos nutrientes nos sistemas de agricultura.
O esforço de manutenção da produtividade da terra
criou fortíssimos gradientes
espaciais de fertilidade que
se traduziram numa estru-
tura em faixas dos tipos de
uso, em torno dos povoa-
dos.
Tomemos como exemplo
os sistemas de agricultura
orgânicos (= não indus-
triais) de agricultura das
montanhas do norte de Portugal do final do séc.
XIX, início do séc. XX. O gradiente de fertilidade era
mantido pelo cultivo de leguminosas (algumas das
quais praticamente extintas, e.g.
Vicia articulata
)
nas faixas mais próximas das casas, mas sobretudo
… os modernos sistemas de agricultura
são construídos em torno de plantas
genética e morfologicamente divergentes
dos seus ancestrais selvagens. À escala
da paisagem, os complexos de vegetação
florestal com dinâmica de clareira (
gap
dynamics
) deram origem a paisagens
monótonas reduzidas a poucas espécies
de plantas cultivadas e um cortejo de
infestantes agressivas.
A partir do momento em que a
agricultura se sedentarizou, … obrigou
os agricultores a restaurar, geralmente
em ciclos anuais, a fertilidade da terra
e a aumentar o período de permanência
dos nutrientes nos sistemas de
agricultura. O esforço de manutenção da
produtividade da terra criou fortíssimos
gradientes espaciais de fertilidade …