Agricultura e biodiversidade: uma diversidade de temas
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vocada por transformações do uso do solo, muito
particularmente pela conversão de áreas naturais
em terras agrícolas e de pastagem. Myers (1997)
afirma que “de longe, a maior ameaça à biodiver-
sidade à escala mundial é a destruição de habitat
acompanhada por alterações do habitat remanes-
cente e respetiva fragmentação.” (p. 148). Os resul-
tados do Millennium Ecosystem Assessment (2005)
apontam no mesmo sentido: ”Praticamente todos
os ecossistemas da Terra foram já dramaticamente
transformados pela ação humana. Nos 30 anos que
se seguiram a 1950, maior área de terras foi conver-
tida à agricultura do que nos 150 anos entre 1700 e
1850.” (p. 42). Além disso, “20 a 50% da área de 9 dos
14 biomas globais foi já transformada em terras de
cultivo.” (p. 43). Assim, ”no que se refere aos ecos-
sistemas terrestres, a mais importante causa direta
de mudança durante os últimos 50 anos tem sido
a transformação do coberto
vegetal. Só os biomas relati-
vamente inadequados para
as plantas cultivadas, tais
como os desertos, as flo-
restas boreais e a tundra,
estão hoje relativamente
intactos.” (p. 49).
Contudo, pelo menos a nível europeu, a relação
entre agricultura e biodiversidade comporta tam-
bém aspetos positivos, que não transparecem
nos diagnósticos globais, essencialmente nega-
tivos, acima referidos. Por exemplo, aproximada-
mente dois terços das espécies de aves ameaça-
das e vulneráveis na Europa dependem de habitats
agrícolas (Tucker e Heath, 1994, citados por Agên-
cia Europeia do Ambiente, 2004). Estas espécies
ocorrem um pouco por toda a Europa, mas um
grande número delas depende de sistemas agríco-
las extensivos, particularmente no Sul da Europa
(Agência Europeia do Ambiente, 2004). Além disso,
os tipos de habitat natural protegidos pela Dire-
tiva Habitats que dependem de uma gestão agrí-
cola extensiva (28 tipos no total) cobrem 15% da
área designada ao abrigo desta diretiva, percenta-
gem esta que é superior a 35% em extensas áreas
do Oeste da Península Ibérica, do Centro do Reino
Unido, do Maciço Central francês e do Centro mon-
tanhoso de Itália (Agência Europeia do Ambiente,
2004). Esta biodiversidade ”agrícola” europeia está
também em declínio, mas as causas deste declínio
prendem-se agora com o abandono dos usos agrá-
rios extensivos ou com a sua intensificação (Agên-
cia Europeia do Ambiente, 2004). Tucker e Heath
(1994, citados por Agência Europeia do Ambiente,
2004) estimam que 40% das espécies de aves em
declínio na Europa são afetadas pela intensificação
da agricultura e 20% pelo abandono de sistemas
agrários extensivos.
A constatação destas associações positivas entre
sistemas agrários extensivos e biodiversidade na
Europa deu origem a uma preocupação pela manu-
tenção dos sistemas agrá-
rios extensivos (
Low Inten-
sity Farming Systems
, LIFS;
cf. Bignal e McCracken,
1996), ameaçados pela sua
marginalidade económica/
abandono, ou por opor-
tunidades de intensifica-
ção economicamente mais
atrativas, tais como a conversão ao regadio no Sul
da Europa. Mais tarde, esta preocupação veio a ser
incorporada numa linha de trabalho da Agência
Europeia do Ambiente: as Áreas Agrícolas de Ele-
vado Valor Natural (AAEVN) (Agência Europeia do
Ambiente, 2004).
Os diversos tipos de AAEVN incluem habitats tais
como prados e pastagens seminaturais (incluindo
os das regiões alpinas e das terras altas),
dehe-
sas
, montados e pseudo-estepes cerealíferas. Estes
tipos de AAEVN têm em comum: 1) um baixo nível
de intensidade produtiva e de artificialização do
agroecossistema, 2) um elevado nível de biodiver-
sidade e 3) duas ameaças mutuamente exclusivas
de perda de biodiversidade – o abandono da ges-
tão agrícola ou pastoril, incluindo a florestação de
… a nível europeu, a relação entre
agricultura e biodiversidade comporta
também aspetos positivos, que não
transparecem nos diagnósticos globais,
… dois terços das espécies de aves
ameaçadas e vulneráveis na Europa
dependem de habitats agrícolas …