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cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR

N.º 8

JUNHO 2017

24

pelo pastoreio das áreas marginais por grandes her-

bívoros (vaca, ovelha e cabra). Os autores do início

do séc. XX falam frequentemente da vocação copro-

poiética (produção de estrumes) nos herbívoros

domésticos. Nos solos fecundados pelos estrumes,

cultivavam-se plantas domesticadas ou semi-do-

mesticadas, entre as quais se destacava o centeio.

Grosso modo

, 1 homem equivalente era sustentado

por ca. 0,65 ha de terra cereal e 8,1 ha de monte

(Aguiar & Azevedo, 2012): a

maior parte do termo era

preenchida com vegetação

natural que servia de pasto

aos rebanhos. Os lameiros

tinham um papel essen-

cial na introdução de azoto

reduzido (via leguminosas

pratenses) no sistema e

na ciclagem dos nutrientes

porque, dada a sua posição

fisiográfica nos fundos dos vales, apanhavam todo

o tipo de escorrências. O castanheiro tinha uma

função similar com as suas raízes profundantes.

A produtividade dos sistemas orgânicos de agri-

cultura, na montanha portuguesa, nas regiões

temperadas do Norte da Europa, ou nos trópicos,

onde quer que se fizesse agricultura, dependia,

então, de um complexo arranjo espacial de espé-

cies vegetais e animais, onde se misturavam vários

tipos de agroecossistemas, de ecossistemas semi-

naturais (e.g. lameiros) e ecossistemas naturais. As

plantas e os animais iam das espécies profunda-

mente modificadas pela domesticação aos genóti-

pos indígenas, com uma história evolutiva indepen-

dente do homem. A heterogeneidade ambiental, a

diversidade de plantas cultivadas (espécies e cul-

tivares), de animais domésticos e de agroecossis-

temas e, em menor grau, a diversidade das bioce-

noses e ecossistemas naturais e seminaturais, às

escalas local e regional, são características intrín-

secas dos sistemas orgânicos tradicionais de

agricultura.

A transição de ummodelo orgânico tradicional para

um modelo industrial de agricultura, entre outras

consequências, implicou:

 Simplificação e especialização dos sistemas de

agricultura;

 Aumento das exportações de nutrientes;

 Redução da ciclagem de nutrientes no interior

das explorações agrícolas

e, consequentemente, um

incremento da emissão de

efluentes e resíduos;

 Reposição das exporta-

ções com fertilizantes de

síntese;

 Redução da eficiência do

uso dos nutrientes e da

água;

 Utilização massiva de energias fósseis;

 Redução da eficiência energética;

 Transporte a longa distância de massa e energia;

 Simplificação da estrutura das paisagens rurais.

Múltiplas evidências confirmam a tendência atual

de simplificação dos sistemas de agricultura e das

paisagens rurais:

 Homogeneização dos habitats das plantas cultiva-

das através da rega e da fertilização;

 Redução do número de plantas cultivadas, de

raças e espécies animais e de agroecossistemas

às escalas da exploração agrícola e do sistema de

agricultura;

 Simplificação das biocenoses e da complexidade

dos agroecossistemas;

 Segregação espacial e eliminação da complemen-

taridade entre as componentes animal e vegetal,

nos sistemas de agricultura atuais;

 Uso de cultivares e raças domesticadas, intensa-

mente trabalhadas pelo melhoramento (substitui-

A heterogeneidade ambiental, a

diversidade de plantas cultivadas

(espécies e cultivares), de animais

domésticos e de agroecossistemas e, em

menor grau, a diversidade das biocenoses

e ecossistemas naturais e seminaturais,

às escalas local e regional, são

características intrínsecas dos sistemas

orgânicos tradicionais de agricultura.