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cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR

N.º 9

SETEMBRO 2017

56

4. Toda a gastronomia deverá ter qualidade! E

deve chegar a todos nas diversas formas e ver-

sões, para todas as ocasiões. Boa gastronomia

tanto pode ser um bolinho de bacalhau, como

um robalo de mar preparado de uma forma

sofisticada. Aquilo que dita o que é bom ou

mau não é o preço nem o local onde é servido

(taberna ou restaurante de luxo), mas sim a qua-

lidade dos produtos e a sua confeção.

Kevin Gould

[

depoimentorecebidoporescrito

]

BI

: Kevin Gould, 58 anos, cozinheiro, jornalista do

The Guardian

, homem de sete ofícios e futuro dono

de uma tasca em Olhão; autor de diversos livros,

incluindo

Dishy – Real Food for Real People

e

Loving

and Cooking With Reckless Abandon

Depois de uma carreira dedicada a cozinhar, a ven-

der produtos alimentares de qualidade e a prestar

aconselhamento em matéria de alimentação, Kevin

Gould decidiu mudar-se para Portugal porque se

apaixonou pelas pessoas, pelo lugar, por todas as

dimensões da cultura e pela incrível diversidade e

excelência dos produtos alimentares.

As viagens levaram-no a percorrer o mundo inteiro

em busca dos melhores ingredientes e, na sua opi-

nião, o peixe, as frutas, os legumes e os lacticínios

que encontrou em Olhão são pelo menos tão bons

como os melhores em qualquer parte do mundo.

“Eu tento apenas criar um contexto (…) que leve as

pessoas a refletirem um pouco mais sobre aquilo

que comem. Não há nada mais íntimo na nossa

vida quotidiana do que cozinhar e comer. A comida

alimenta-nos e torna-se parte de nós. A ideia de que

a devemos reduzir a uma qualquer fórmula implica,

de certa forma, depreciá-la.”

1

1. Só posso falar da minha experiência. A comida

que eu mais aprecio e valorizo tem as suas raí-

zes na tradição, respeita e reflete o

terroir

, repre-

senta a sua cultura e evolui em perfeita har-

1

“Kevin Gould: the guru of food”, The Good Web Guide

monia com as aspirações das pessoas que a

consomem.

2. A pergunta é confusa: o preço não tem nada a

ver com a raridade. Se a atmosfera e a apresen-

tação de um restaurante forem interessantes e

adequadas, não faz qualquer diferença que os

produtos oferecidos sejam “rústicos” ou “gour-

met”, desde que a equação preço/valor/quali-

dade seja respeitada.

3. Em relação aos investigadores, não posso res-

ponder. [No que diz respeito aos produtores,]

a minha impressão é que os produtos locais e

sazonais são para os

chefs

uma tendência reco-

nhecida e que veio para ficar.

4. A alimentação de qualidade é um direito de

todos. Portugal destaca-se na disponibilidade

de ingredientes frescos, produzidos localmente.

O facto de alguns desses ingredientes poderem

ser considerados “humildes” não os prejudica

em nada, podendo até aumentar o seu valor.

João Pereira

[

depoimento recolhido ao vivo

]

BI

: João Pereira, 46 anos, engenheiro agrónomo,

diretor executivo da

TerraProjectos – Consultoria,

Marketing e Design Agroalimentar

, e sócio dos res-

taurantes

Kampai

, em Lisboa, e

Maria Faia

, em Mal-

pica do Tejo

Em 2010, uma ida aos Açores a propósito do chá

levou a uma visita à lota de Rabo de Peixe, onde

não passou despercebida a presença de japoneses

que correm mundo em busca dos melhores atuns.

Um jantar no

Aya

, um dos primeiros restaurantes

japoneses em Lisboa, levou a uma conversa com

o

sushiman

João Soeiro. E assim surgiu o conceito

inovador do

Kampai

: “cruzar a cozinha tradicional

japonesa, que vai muito para além do sushi, com

peixe dos Açores e outros produtos de qualidade

excecional” (chá, ananás, maracujá, carne, vinhos

do Pico). A concretização passou por uma estadia

nos Açores, durante a qual foram testadas as diver-

sas espécies de pescado disponíveis (lírio, encha-