A diferenciação no setor cerealífero aliada à panificação artesanal
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O nosso processo de moa-
gem representa também a
conservação de um saber
antigo, que remonta há já
alguns milhares de anos.
Não o fazemos sobre a forma de um fóssil, estático
e imutável, mas atribuímos-lhe vida e evolução. Os
moinhos de pedra foram substituídos pelos moder-
nos moinhos de cilindros, por uma questão de con-
veniência, capacidade de produção e eficiência e
não por uma questão de qualidade. A farinha pas-
sou a ser definida de acordo com parâmetros muito
específicos, num mercado cerealífero extremamente
globalizado, que deixa pouco espaço para a mais
ténue diferenciação. Novamente, volto a reforçar que
não sou contra a modernidade. Os moinhos de cilin-
dros foram uma ótima invenção. A farinha que deles
resulta é muito mais estável e uniforme, sendo que,
por se conseguir fazer uma separação muito mais
eficiente entre as partes perecíveis do grão (farelo
e gérmen, ricos em ácidos gordos insaturados) e o
endosperma, a farinha tem um tempo de vida muito
maior. Assim, é possível con-
cluir que a evolução tendeu
para onde tinha que ten-
der, sendo que tal farinha
assenta como uma luva à
generalidade do presente.
Mas, novamente, venho
pregar que há espaço para
os moinhos de mós de pedra numa ótica de dife-
renciação por qualidade e conservação de patrimó-
nio tecnológico. Porque, sendo um sistema tecno-
lógico mais simples e menos eficiente, leva a uma
indústria de menor escala,
que permite a fantás-
tica exploração do nosso
património genético cerea-
lífero, criando-se farinhas
verdadeiramente únicas. E estas são a base do pão,
em conjunto com o sal e a água. No entanto, é a
fermentação que transporta o pão para uma outra
dimensão, transformando-o intrinsecamente.
A fermentação natural para um pão de
excecional qualidade organolética e
nutricional
A fermentação natural é um fenómeno complexo que
envolve uma grande diversidade de microorganis-
mos, ao contrário da fermentação convencional que
é levada a cabo por uma única espécie de leveduras
chamada
Saccharomyces cerevisiae
[6]. No segundo
caso, a transformação é simples: as leveduras ali-
mentam-se dos açúcares presentes na massa, pro-
duzindo, consequentemente, um pouco de álcool e
muito dióxido de carbono.
Estas leveduras foram sele-
cionadas para fazerem tal
trabalho de forma rápida e
sem desvios [6].
Por outro lado, a fermenta-
ção natural é não só alcoó-
lica, mas também lática,
envolvendo a degradação de inúmeros compostos
presentes no pão, para além dos açúcares. Este pro-
cesso, levado a cabo por enzimas tanto endógenas
como sintetizadas pelos microorganismos, tem uma
grande influência na complexidade e qualidade aro-
mática do pão, visto que os compostos de menor
peso molecular resultantes da degradação enzimá-
tica são mais saborosos que os grandes compostos
que lhes deram origem [7]. Basta pensar, por exem-
plo, no caso do amido, que na sua forma pura é ino-
doro e sem sabor. Este hidrato de carbono complexo
não é nada mais do que moléculas de glucose liga-
das entre si, sendo que estas são, como todos sabe-
O nosso processo de moagem representa
também a conservação de um saber
antigo, que remonta há já alguns
milhares de anos.
a fermentação natural é não só alcoólica,
mas também lática, envolvendo a
degradação de inúmeros compostos
presentes no pão, para além dos
açúcares. Este processo …tem uma
grande influência na complexidade e
qualidade aromática do pão…
Figura 2:
Moagem na Gleba
Fonte:
Gleba – Moagem e Padaria