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Gastronomia portuguesa: heranças antigas, dinâmicas modernas

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pelo montado, na qual essa revalorização, numa

perspetiva tanto ambiental e cultural, quanto eco-

nómica, se insere numa conceção destes espaços

enquanto patrimónios multifuncionais e intergera-

cionais. Esta valorização patrimonial só será eficaz

se congregar tanto funções produtivas e funções cul-

turais, quanto ambientais, recreativas, pedagógicas,

simbólicas e estéticas.

Destas, interessam-nos, particularmente, as que se

relacionam com a cultura culinária rural, que é a

base da cozinha familiar tradicional e que consti-

tui uma das manifestações da identidade mediter-

rânica, a melhor conhecer e preservar. Acresce que,

se “a nossa cozinha é a paisagem posta na panela”

3

,

a recuperação das cozinhas

tradicionais e dos produtos

alimentares que as consti-

tuem é também uma forma

de valorizar as especifici-

dades do território e das

suas paisagens. Estas, por

sua vez, são o resultado da

simbiose entre património

natural e património cul-

tural, através de uma pre-

sença humana concertada

com o equilíbrio ambiental.

A paisagem contribui, pela

sua singularidade, para a identidade local e reflete

a história e a interação entre a população local e a

natureza. Contém em si mesma muito do processo

da produção alimentar e da sua evolução.

Em Portugal, o montado é um dos sistemas que

marca profundamente a paisagem dos territórios e

que reflete a intervenção humana no seu entorno,

com vista a responder a necessidades específicas.

Trata-se de um sistema de utilização multifuncional

e sustentada da paisagem do Sul e dos seus recursos

3

Josep Pla, citado por Santi Santamaria, 2008: 255, a pro-

pósito das razões do declínio da cozinha tradicional

catalã.

– que integra formas de aproveitamento das árvo-

res, sejam elas o sobreiro, a azinheira ou o pinheiro

manso – e de produtos agroflorestais dos outros

estratos da paisagem. Estes são constituídos por

pastagens, matos, apicultura, exploração de plan-

tas aromáticas e medicinais, bem como de cogu-

melos silvestres, caça, entre outros. Integram-no,

também, formas de povoamento próprias, que se

estruturam em aldeias, em quintas, em quintinhas e

montes nas herdades. Em todos se observa o apro-

veitamento simultâneo dos recursos silvestres com

os dos produtos das hortas e hortejos onde cres-

cem espécies, autóctones e naturalizadas, com uso

alimentar. Os saberes relacionados com a utiliza-

ção destes recursos florestais e agroflorestais fazem

parte do património cultu-

ral e traduzem formas tradi-

cionais de aproveitamento

do património natural, que

são também uma forma de

gestão e de conservação da

paisagem.

Constituem-se

como marcos de continui-

dade da presença humana

nesse espaço. Todos estes

recursos são parte inte-

grante da biodiversidade

local, assim como da iden-

tidade cultural e alimentar.

É com este pano de fundo que colocamos em pri-

meiro plano a atenção para recursos agroflorestais

por vezes ignorados ou com pouca visibilidade nos

processos de produção alimentar. Trata-se das plan-

tas silvestres alimentares, de coleta espontânea, que

crescem durante a Primavera. Também são desig-

nadas, muitas vezes, por “plantas bravias” ou ervas

daninhas das culturas. Destas, interessam-nos as

que têm utilidade alimentar e nutricional

4

, às quais

4

No texto, por razões de comodidade de leitura, utilizamos

indistintamente as designações de plantas silvestres ali-

mentares, ervas silvestres alimentares ou plantas bravias

comestíveis.

… se “a nossa cozinha é a paisagem

posta na panela”, a recuperação das

cozinhas tradicionais e dos produtos

alimentares que as constituem é também

uma forma de valorizar as especificidades

do território e das suas paisagens. Estas,

por sua vez, são o resultado da simbiose

entre património natural e património

cultural, através de uma presença

humana concertada com o equilíbrio

ambiental.