cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR
N.º 8
JUNHO 2017
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excessiva higienização da decisão sobre a recolha
de cadáveres na sequência do episódio das “vacas
loucas”, independentemente do efeito que tal teria
sobre outras espécies e ainda que estas não corres-
sem riscos de saúde com potenciais animais infe-
tados.
Esta atitude permite-nos também ilustrar o que
anteriormente dissemos, ou seja, a existência de
uma certa discriminação negativa em relação à
natureza baseada em desconhecimento. O forte
empenho da LPN, com a colaboração de técni-
cos da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária
(DGAV), que no cumprimento do protocolo de segu-
rança da BSE que referimos exigia processos muito
rigorosos de licenciamento desses campos, resul-
tou no reconhecimento de que o fim em vista era
inteiramente compatível com uma atitude mais fle-
xível e adaptada à conservação dos abutres.
É bem conhecida, até internacionalmente, a expe-
riência bem-sucedida de gestão de uma área da
Rede Natura, porventura a única com uma ges-
tão que inclui os objetivos de classificação para os
quais estas áreas foram criadas: a Zona de Proteção
Especial (ZPE) de Castro Verde. Nesta zona, mercê
de um entendimento e de uma cooperação conso-
lidados ao longo de duas décadas entre agriculto-
res e conservacionistas da LPN, foi possível recu-
perar as populações de aves estepárias e construir
um exemplo demonstrativo de como se pode com-
patibilizar, naturalmente com a procura de soluções
com mútuas vantagens, a agricultura e a conser-
vação da natureza. Claro que é muito importante
destacar que, para além da vontade dos
stakehol-
ders
, o que só por si é “meio caminho andado”, os
resultados são fruto de uma continuada e acertada
medida de política de apoio aos agricultores, remu-
nerando-lhes de forma indireta o bom serviço que
prestam à conservação de espécies com estado de
conservação degradado.
Esta situação não será a única ocorrida com efeitos
positivos, mas porque as outras de alguma forma
foram descontinuadas, deformadas, nalguns casos
até extintas, é em Castro Verde que temos o maior e
mais duradouro testemunho de como a convergên-
cia de políticas, utilizando meios de incentivo ou
prémio adequados, permite obter resultados glo-
bais significativos e sustentados para a conserva-
ção de habitats e espécies ameaçadas, para uma
agricultura com rendibilidade para os agricultores
e para a boa gestão de um território com riscos de
desertificação.
As atividades nos territórios rurais são imprescindí-
veis à conservação, e a agricultura é, naturalmente,
a mais importante dessas atividades. Contudo, não
podemos de forma generalizada dizer que toda
a agricultura é boa para a natureza. Como sabe-
mos e devemos reconhecer, a agricultura, no sen-
tido vasto em que aqui a entendemos, é bastante
impactante para o ambiente porque, embora não
seja naturalmente a única a fazê-lo, assenta na uti-
lização dos mais importantes recursos naturais não
renováveis. Além disso, há a considerar os seus efei-
tos diretos na emissão de gases para a atmosfera e
o que daí resulta, como os tempos mais recentes
têm demonstrado e tornado mais evidente.
Estamos conscientes de que a agricultura, ao con-
trário de outras atividades de natureza económica,
não pode nem deve ser substituída por formas de
produção
artificializadas ou de uso de matérias
alternativas, pois deixaria, nomeadamente, de ter
o efeito positivo que atualmente tem sobre a admi-
nistração equilibrada de territórios desertificados.
Contudo, duas vias terão que ser adotadas de forma
concomitante:
•
Por um lado, o incremento de condicionantes,
juntamente com um conjunto de incentivos de
natureza diferenciadora da sustentabilidade no
uso dos recursos (a maior que for possível, tendo
como adquirido que será sempre desequilibrada),
que penderão sobre agriculturas ou modos de
produção agrícola e pecuária que determinem