A importância da agricultura na conservação da natureza
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necessário, o afastamento entre as políticas de con-
servação da natureza e da biodiversidade (“entrin-
cheiradas” em políticas ambientais das quais ape-
nas são parte ou resultado) e as políticas agrícolas
e florestais de gestão dos recursos cinegéticos e de
desenvolvimento rural, das quais dependem em
grande parte para terem sucesso.
Todos sabemos que a agricultura, aqui entendida
num contexto mais vasto das suas atividades pro-
dutivas e de gestão de sistemas socioeconómicos
rurais, é absolutamente crítica para boas políticas
de conservação da natureza e da biodiversidade.
Assim sendo, serão também justas e avisadas polí-
ticas de promoção da sustentabilidade da agricul-
tura, combatendo muito do preconceito que existe
de incompatibilidade. Casos há também, em que
o preconceito serve de álibi para a evidente não
sustentabilidade de sistemas produtivos devasta-
dores de recursos, sejam estes solos, água ou bio-
diversidade.
De facto, as atividades agrícolas, de forma geral (não
nos referimos, naturalmente, aos sistemas produti-
vos intensivos com base em regime de forçagem
dos ciclos de vida, sejam de animais ou de plan-
tas), são dominantes nos territórios rurais. A agricul-
tura, se assegura a função importante, em muitos
casos já não a primeira, de provir alimentos, é hoje
e cada vez mais uma atividade tampão para evitar a
aceleração de processos de desertificação humana,
com os riscos que amargamente conhecemos, por
exemplo, dos incêndios florestais. Os agricultores
asseguram assim uma função de manutenção ou
preservação de territórios que uma excessiva urba-
nização ou uma insensata e desinformada desvalo-
rização levou ao abandono ou semiabandono.
Ao contrário do que muitas vezes se pensa e outras
tantas se diz, a conservação de determinados valo-
res naturais necessita de uma intervenção humana
de gestão adequada, porquanto se é certo que há
situações onde o chamado fenómeno de
wilderness
é positivo para aumentar o valor de biodiversidade,
noutras, pelo contrário, sobretudo quando se trata
de habitat
s
de espécies protegidas com elevado
risco de ameaça, as atividades agrícolas, pecuárias
ou cinegéticas são essenciais à recuperação da bio-
diversidade.
A este propósito e como ilustração do que foi dito,
lembramos aqui o que acontece com a proteção de
diversas espécies de abutres, algumas delas com
estatuto da União Internacional para a Conserva-
ção da Natureza (IUCN) ao nível mais elevado de
espécies criticamente em perigo. O seu quase total
desaparecimento, mais significativo no caso, por
exemplo, das populações de abutre preto ou de
abutre do Egito, teve diretamente a ver com o pro-
gressivo abandono da agricultura e, sobretudo, da
pecuária. Sendo animais necrófagos, a falta de ali-
mento com base em gado morto ou doente aban-
donado foi deteriorando as condições para a repro-
dução da espécie, o que fez descer drasticamente o
número de indivíduos.
A situação de alguma forma muda para positivo,
ainda que no caso das espécies referidas a níveis
inferiores às necessidades para as retirar do esta-
tuto de ameaça que têm atualmente, com a recu-
peração dos territórios abandonados para, desig-
nadamente, a atividade cinegética, possibilitando
pela via da morte de caça maior ou menor garan-
tir as disponibilidades de alimento necessárias. É
claro que muito houve que fazer a nível da interven-
ção de outros fatores essenciais à nidificação, mas
até estes foram desenvolvidos em ações de estreita
cooperação entre conservacionistas e proprietários,
produtores de caça e outros agentes.
Uma das ações que foi necessário realizar consistiu
na criação de campos de alimentação. Esta ação
que, no limite, poderemos considerar de não natu-
ral, foi a única possibilidade de ultrapassar um dos
fatores que contribuiu para a rarefação de alimento
para estas espécies (a que se podem acrescentar
outras aves de rapina importantes que têm hábi-
tos alimentares oportunistas), designadamente a