Cultivar_29

94 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 29 DEZEMBRO 2023 – Indústria agroalimentar das por sector, país e região. Mas o projeto passou, sofrido, mas incólume. Após a revolução, a hierarquia mudou. Em poucas semanas, o Movimento das Forças Armadas (MFA) nomeou os seus especialistas. Maoistas, leninistas, trotskistas, socialistas, social-democratas e centristas instalaram os seus representantes, mais uns do que outros. As comissões de trabalhadores fizeram o seu papel. Uma estrutura como o CAICA / FGLNT, com cerca de 12 anos de vida útil, ainda em consolidação, dependendo de uma cadeia de decisão cooperativa, com múltiplos polos de decisão, e não privada, como outros grandes grupos nacionais, teria de ressentir- -se. Associou-se a isto a incapacidade de manter as transferências financeiras associadas aos múltiplos investimentos em curso, com o previsível colapso dos investimentos um a um. A acrescentar a isto, a nova administração decidiu associar aos seus quadros todos os trabalhadores eventuais que até então prestavam serviços intercalares, aquando da força das campanhas. Se grande parte da mão de obra transitava entre fábricas ao longo do ano, muitos outros eram prestadores de serviços, nas épocas do ano correspondentes às safras mais exigentes em mão de obra, normalmente a primavera avançada e o verão. Centenas de pessoas foram adicionadas aos quadros, sem que os seus préstimos fossem necessários ao longo de todo o ano, originando um custo imenso à tesouraria do Complexo. A partir de então, os investimentos, e as fábricas em construção, ressentiram-se de todos estes factos. Para além disso, o projeto estava incompleto. Faltavam unidades industriais como a fiação de lãs, tinturaria e plano global de artesanato (todos já no papel, com investimentos, mas sem concretização); a lã das ovelhas precisava de ser utilizada, rentabilizada e a produção apoiada. Faltava concluir o matadouro e salsicharia (em construção avançada), como faltava também a unidade de secagem e liofilização de produtos agrícolas (ainda no papel, mas já com muito investimento na produção primária). Faltava adiantar e /ou terminar os projetos de produção de ovinos e suínos, alguns já em construção, com investimentos feitos, para rentabilização do matadouro, queijaria, fábrica de rações, subprodutos. Vários outros projetos na área agrícola, esta mais avançada, por ter sido iniciada mais cedo, precisavam de ser complementados pela indústria. No fundo, milhares de contos investidos em indústrias e projetos primários em evolução, sem ter ainda chegado à maturidade. O dirigente de topo era um militar, com ligações… aos militares. O conhecimento da estrutura, por parte do novo poder, não ia além de militares e representantes das forças políticas incipientes, a partir de Lisboa. Por outro lado, podemos dizer, embora seja um lugar-comum, que toda a estrutura se baseava na confiança dos produtores e trabalhadores, como hoje os famosos mercados, bolsas de transações e a economia em geral. Era precisa uma hierarquia estabelecida, um rosto conhecido e um dirigente reconhecido; os fracos dotes associativos do povo português foram postos à prova e não resistiram. Faltando a confiança, o edifício ruiu como um castelo de cartas. Em poucas semanas, pararam os investimentos, em poucos meses, foi-se a confiança e, em poucos anos, somaram-se as dívidas. Foi preciso estancar a hemorragia.

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