Cultivar_29

30 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 29 DEZEMBRO 2023 – Indústria agroalimentar A permanente gestão do presente, e navegação da conjuntura, não tem contribuído para uma especialização e valorização do produto e trabalho nacionais, não tem conseguido contribuir para enfrentar – de forma minimamente positiva – o inverno demográfico que atravessamos. Não gera uma expectativa positiva que contribua para a fixação dos mais jovens e mais bem preparados, nem para atração (e manutenção) de trabalhadores e suas famílias provenientes de diferentes geografias, essenciais à resposta que o mercado laboral necessita, à revigoração geracional e à sustentabilidade social absolutamente essenciais para o futuro de Portugal. O Governo, na recente proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2024, apresentou como cenário macroeconómico, um crescimento do PIB de 1,5% (face a uma estimativa de 2,1% para 2023), resultante de um crescimento da procura interna de 1,8% (+1,0% em 2023) e uma quebra de 0,3% da procura externa (+1,1% em 2023). É projetada uma taxa de inflação para 2024 de 3,6% (face a uma estimativa relativamente a 2023 de 5,4%) e de 2,1% para 2025. O contributo dos produtos alimentares será de 1,1% em 2024 e 0,5% em 2025 (face a 2,9% em 2022 e uma estimativa de 2,2% em 2023). Finalmente – e pela primeira vez em décadas –, é estimado um excedente orçamental de 0,9% do PIB para 2023, e a projeção para os próximos 4 anos é a de continuidade desses excedentes, com valores previstos de 0,8%, 0,6%, 0,4% e 0,3%, relativamente a 2024, 2025, 2026 e 2027, respetivamente. Tal resulta não de um controlo acrescido da despesa primária, mas muito especialmente do agravamento da carga fiscal total. Ela tinha atingido um máximo histórico de 36,4% do PIB em 2022, mas o governo 1 Medida adotada pelo Governo em abril de 2023 que consistiu em isentar de IVA um cabaz de 46 produtos alimentares considerados essenciais. Foi prorrogada até ao final deste ano. estima que ela atinja os 37,2% em 2023 e projeta um valor de 38% para 2024, como resultado de um crescimento da receita fiscal de 7,5% relativamente a 2023 (mesmo com uma inflação substancialmente mais baixa), resultante de uma combinação de arrecadação proveniente de impostos diretos e indiretos, sendo inequívoco o crescimento do peso relativo destes últimos, com destaque para o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA, também pelo efeito da reversão da medida IVA Zero1). 2. Os equilíbrios do futuro Num país com deficits orçamentais crónicos e uma das mais elevadas dívidas da União Europeia, qualquer proposta de alteração em matéria fiscal não pode deixar de considerar a equação entre os correspondentes efeitos no presente e no futuro. A concretização de um excedente orçamental em 2023 e a previsão de que novos excedentes venham a ocorrer em 2024 e anos subsequentes tendem a criar a perceção de que este poderá ser o momento para afrouxar a asfixia fiscal que as famílias e as empresas portuguesas vêm de há muito – e de forma crescente – sentindo. As contas públicas dependem do equilíbrio possível entre Arrecadação Fiscal e Despesa Realizada e esse balanço, sistematicamente negativo, tem como óbvia consequência o avolumar da Dívida Pública e o agravamento constante do peso do respetivo Serviço da Dívida, agravado em períodos em que as taxas de juro se voltam a colocar em níveis historicamente muito altos. Essa asfixia fiscal condiciona o investimento e a produção de riqueza e cria, por si mesmo, um teto pesado ao crescimento da receita. Mas, ao mesmo Uma economia saudável e mais pujante geraria um aumento da receita fiscal que poderia ser acompanhada pelo desagravamento da carga fiscal, promovendo o efeito redistributivo, sem significar – em simultâneo – o crescente sobrecarregar da contribuição exigida a um relativamente diminuto conjunto de contribuintes

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