Livro do Centenário do Ministério da Agricultura

A MEMÓRIA E OS TEMPOS // 31 // Recorde-se ainda que o nosso país se repartia então em dois grandes blocos: o Norte e o Centro interior; o Além-Tejo, onde avulta o Alentejo (sobretudo os distritos de Portalegre, Évora e Beja). Ora, nestes dois grandes blocos ressalta uma grande diferença quer climática (como referi) quer também nos hábitos alimentares: no primeiro, os cereais predominantes são o milho e o centeio; no segundo, o clima é semiárido, onde o sequeiro é uma espécie de lotaria ou jogo de dados. Por fim, neste exercício sintético, há que entrar em conta com o relevo, a geografia. Os gover- nos, nesses tempos, consideravam que o Alentejo era uma imensa planície! Ora o Alentejo não é tal! É, sim, uma peneplanície. E nada de origem aluvionar, como é o caso das Lezírias do Tejo. Esta pequena diferença, que os nossos “homens cultos”, desde meados do século XIX até à nossa entrada na Comunidade Europeia, em 1986, parecem não ter notado, está na origem de lamen- táveis e onerosos erros, tanto políticos, como técnicos, no decorrer dos dois últimos séculos. A questão é que o Alentejo não é uma planície do tipo aluvionar e também não é uniforme na sua estrutura geológica. Não é, pois, uniforme nos solos que resultaram, ao longo dos milénios, da ação do clima e do tempo. 2. UM MUNDO RURAL QUE DESCONHECIA OS PARTIDOS POLÍTICOS Nem sempre os partidos políticos e os seus fundadores e membros conheciam, para lá dos livros, o país rural. A agricultura não é uma atividade predileta dos ideólogos. Por seu lado, para os agricultores, os comícios, os desfiles, as manifestações não dispõem de palcos apropriados nos campos, em plena natureza. As cidades e as massas operárias dão-se melhor com a política. Nestas circunstâncias, não é difícil compreender que a República e os republicanos após o 5 de outubro de 1910, não fossem bons conhecedores dos campos e das realidades agrícolas. A prova é que o primeiro Ministério da Agricultura só foi criado oito anos depois Não obstante, o Portugal agrícola existia e era agricolamente propício à produção de vinhos, de frutos, de hortícolas. Quanto à pecuária, havia o Montado mediterrânico com o porco “pata ne- gra”, criado ao ar livre num regime dito a “montanheira”. Havia ainda as pastagens, com peque- nos ruminantes – gado ovino. Quanto aos bovinos para leite, existiam pequenas bacias de produ- ção no Minho e na Beira Litoral. E os bovinos para carne, também estavam apenas em áreas específicas: Mirandês, o Barrosão. Nos matos e áreas baldias, pontificava a cabra, que tudo come. E, claro, com matos havia abelhas e mel, num tempo em que os pesticidas nem sequer existiam. Acontece que o Montado 67 produzia, a sul do Tejo e até à Serra do Caldeirão, e no seu lado mais próximo do litoral, um produto que, mesmo nestes nossos tempos “do plástico”, não tem paralelo – a cortiça. 67. Que tão denegrido seria pelos promotores da Campanha do Trigo, de que falaremos adiante.

RkJQdWJsaXNoZXIy NDU0OTkw