Livro do Centenário do Ministério da Agricultura

A MEMÓRIA E OS TEMPOS // 27 // É certo que em meados do século XVIII, mais precisamente em 1755, um terramoto e mare- moto tinha arrasado Lisboa. E, de tal modo assim foi, que até um religioso inglês que conse- guira salvar-se enviou a seguinte notícia para o seu superior, em Londres: – “ I assure you this once opulent city is nothing but ruins. ” No Alto Douro, porém, o vinho, teve a sua oportunidade: um ano depois, em 1756, surgiu a Companhia Geral de Agricultura e Comércio de Vinhos do Alto Douro. E com ela, foi criada a primeira Região Demarcada de vinhos de qualidade. Mérito da visão e firmeza do Marquês de Pombal? Certamente. Mas não só. A verdade é que desde os tempos da primeira dinastia exportávamos vinhos para Inglaterra, mérito dos viticulto- res portugueses 57 . E os vinhos portugueses competiam, no mercado inglês, com os vinhos france- ses – os “clarets”, de Bordéus, ou seja, também com vinhos do tipo Verde. Era uma luta renhida. Em 1682, por exemplo, exportámos para Inglaterra 52 000 barris contra zero da França 58 . Apenas acrescento mais um detalhe. Tem-se atribuído ao Tratado de Methuen 59 , e à feitoria de comerciantes ingleses instalados no Porto / Vila Nova de Gaia, o mérito da expansão do Vi- nho do Porto, sacrificando os têxteis portugueses. Pois bem! O certo é que o Vinho do Porto se consolidou. O certo, ainda, é que os têxteis portugueses não sucumbiram. Em meados do sé- culo passado, chegaram a representar 20% das nossas exportações. E, atualmente, consolida- ram-se como têxteis de qualidade. Havia ainda as infraestruturas vindas do Fontismo. Para o comum dos historiadores e dos cha- mados “intelectuais” do final do século XIX, o Fontismo era referido, mas subestimado: umas es- tradas; uns caminhos-de-ferro, e pouco mais. O que tinha importância eram as ideias da “Nova Ordem Liberal” 60 , então a ser aplicada aos campos de Portugal e ao feudalismo neles reinante. 61 As suas figuras emblemáticas eram bem conhecidas, Mouzinho da Silveira, Oliveira Martins e outros 62 , sendo o grande objetivo a nacionalização dessas terras, para a seguir serem privatiza- das mediante a venda em hasta pública. Em suma, o Fontismo tinha sido o período durante o qual o estadista Fontes Pereira de Melo tinha ajudado a determinar o futuro do país, primeiro como Ministro da Fazenda (1851-1852), depois como Ministro das Obras Públicas (1852-1856) e, finalmente, como Presidente do Con- selho (1871-1877, 1878-1879 e 1881-1886). 57. Justamente no final do século XVI, Shakespeare, em Henrique IV , editado em 1594, refere-se a um outro vinho português – o Charneco (Cf: O grande livro do vinho , de J. Duarte Amaral, Ed. Temas e debates Lda, Lisboa, 1994). 58. Cf: idem. Ob. cit. Nota: Os altos e baixos das exportações de vinhos para Inglaterra, também derivavam das relações políticas. 59. John Methuen (1650–1706) foi um comerciante inglês de vinhos. Foi um enviado de Inglaterra a Portugal, tendo vivido no Porto e no cais de Vila Nova de Gaia, de onde o vinho, depois de estagiar, era exportado. Negociou o Tratado do mesmo nome, também conhecido como Tratado dos Panos e Vinhos, assinado em 1703 entre Portugal e a Inglaterra, em que o primeiro se comprometia a consumir os têxteis britânicos e a segunda os vinhos portugueses. 60. A Nova Ordem Liberal foi a resultante da adaptação do ideário da Revolução francesa (1789). Em Portugal, começou com a Constituição de 1822, à qual se seguiram as “Lutas liberais” (1832-1834). 61. Na realidade, a nacionalização dos bens fundiários da Coroa (o Rei), do clero (a Igreja) e das Ordens Monásticas. 62. Mais adiante, na 2.ª Parte, abordarei de modo mais explícito estas questões da Estrutura Agrária/ Colonização Interna.

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