CULTIVAR 9 - Gastronomia

Sobre “O Terceiro Prato – Notas sobre o Futuro da Alimentação” de Dan Barber 95 o vazio. Um pouco de ignorância impede-nos de julgarmos erradamente que é possível manipu- lar todas as condições para cada colheita. Não saber exatamente o como torna-nos mais humil- des e provavelmente acaba por ser muito mais saudável. Nas palavras do ecologista Frank Egler, ‘A Natureza não é só mais complexa do que ima- ginamos; é também mais complexa do que con- seguimos imaginar .’” (p.88) • Parte II – Terra – Uma dádiva da natureza conta as experiências de Eduardo Sousa e os seus “gan- sos livres” na dehesa espanhola, de grandes cozi- nheiros, como Jean-Louis Palladin, uma espécie de precursor do movimento do campo ao prato, e grandes agricultores, como Mas Matsumoto, pro- dutor californiano de pêssegos, que contribuíram para sensibilizar os americanos para uma agricul- tura e uma produção mais sustentáveis, fazendo- -os compreender que “ a boa comida era indis- sociável da boa agricultura ” (p.136). “ Quando se consegue que os profissionais se interessem, (…) isso acaba por se propagar a toda a gente ” (p.115) E contribuíram também para combater os proble- mas da industrialização e desumanização da agri- cultura (desumanização essa que envolve huma- nos, animais e plantas), ilustrada, por exemplo, pela história da produção de frangos nos EUA. (“ Os americanos chegaram agora a um ponto em tempos impensável: não há limite para a quanti- dade de carne que podemos consumir ” p.152, e a lógica do “ get big or get out ” – “ cresce ou desapa- rece ” para os produtores). Barber fala da importância de ver os animais como seres vivos (que sabem melhor do que nós o que lhes faz bem: “ Está no ADN do ganso procurar condições para comer e viver bem ” diz Sousa, p.131) e não mera mercadoria, não só por razões humanitárias e de visão do mundo, mas também porque isso se reflete em alimen- tos mais nutritivos e saborosos. A natureza é que sabe, e estupidificar os animais é estupidificar a natureza e estupidificarmo-nos também. (p.194) “ Palladin nunca se deixou convencer pela mania da pecuária com engorda por cereais, não porque fosse inumana ou destrutiva para o ambiente, mas porque nunca produziu nada que fosse ver- dadeiramente bom para comer .” (p.118). Produtos realmente saborosos como o jamón ibérico ou o foie-gras ecológico de Sousa “ repre- sentam aquilo que é possível alcançar quando as dádivas da natureza são filtradas pela tradição culinária. (…) [esses produtos] dependem de um ofício simples, trabalhado e aplicado. E por vezes, com sorte, transcendem o ofício. Tornam-se maio- res do que a soma das partes. (…) Uma receita ou uma refeição podem estimular a nossa pró- pria consciência – sobre os animais que come- mos, sobre o sistema que está na base da dieta desses animais e sobre o tipo de cozinha que um chef deve criar para apoiar esse sistema .” (p.198) • Parte III – Mar – O coração não é uma bomba debruça-se sobre os problemas do mar e das pescas (que têm a ver não só com o que extraí- mos dele, mas também com o que nele despe- jamos), centrando-se em experiências de susten- tabilidade como a de Ángel Léon, o cozinheiro espanhol que faz pão a partir de fitoplâncton cultivado com a ajuda de cientistas numa espé- cie de horta marinha ou usa uma pasta de olhos de peixe para engrossar molhos (p.225). Para ele, cozinhar é inovar e investigar e descobrir o que fazer com os resultados dessa investigação, e não se importa de comprar peixe que outros descar- tariam por estar menos perfeito, porque preza o trabalho do pescador: “ Não é essa a arte do chef ? Transformar coisas menos usáveis em algo deli- cioso? ” (p.226) “ Eu sou mais pró-pescador do que pró-peixe .” (p.228), diz Léon. O princípio orientador de Ángel vem de ter assis- tido ao sofrimento dos pescadores ao terem de devolver ao mar o peixe que sabem que não vão conseguir vender. Nós só estamos dispostos a comer os peixes que conhecemos (20 espécies) e Ángel Léon tenta mudar isso. (p.228) “ Comer

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