CULTIVAR 9 - Gastronomia

cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 9 SETEMBRO 2017 94 crescentes de degradação, mostrando, em con- trapartida, diversos exemplos de agricultores que viram isso a acontecer e decidiram seguir outro caminho. “ Tiveram lucro logo no primeiro ano, depois con- tinuaram a ganhar cada vez mais à medida que novas tecnologias agrícolas varriam a explora- ção. Variedades melhoradas de cereais, incluindo milho híbrido e trigo de alto rendimento, e, mais importante ainda, o uso generalizado de adubos e pesticidas químicos fizeram disparar as produti- vidades para níveis que eles nunca antes tinham imaginado. ( …) “O meu pai ficava a olhar para o silo, a coçar a cabeça ” [diz Klaas Martens, um dos heróis do livro, um produtor de cereais que passou para a agricultura biológica, quando percebeu que estava a ser envenenado] Pare- cia magia. ‘Tudo acontecia tão depressa, que nos embebedámos de produtividade’, diz Klaas. ‘Era uma espécie de toxicodependência. No pri- meiro ano, houve uma resposta incrível com os produtos químicos, mas não nos apercebemos de que iam sendo necessárias quantidades cada vez maiores para obter as mesmas produtivida- des .” (p.27) “ Mais lucro leva, por sua vez, à aquisição de mais terra, o que normalmente significa menos diversi- dade cultural, mais maquinaria pesada, etc. Em breve, a relação do agricultor com a sua explora- ção torna-se menos íntima. É esta perda de inti- midade que leva à ignorância e acaba por gerar perdas. À volta da mesa, todos abanavam a cabeça, concordando em silêncio: Klaas acabava de descrever o problema da agricultura ameri- cana .” (p.32) Uma agricultura vítima do seu pró- prio sucesso: “ O fracasso do sucesso ”, como lhe chamava Wes Jackson do Land Institute . “ A história do trigo é a história daquilo que somos .” (p.34) E, no entanto, o predomínio do trigo na alimentação e na agricultura mundial (onde ocupa mais superfície do que qualquer outra cultura) e americana (60% da área para trigo, milho e arroz contra 5% para frutas e hor- tícolas) é subavaliado pelos chefs e consumido- res que procuram uma alimentação mais sus- tentável. Barber considera que temos de falar mais do trigo e da forma como ele é cultivado. “ Se queremos melhorar o estado do nosso sis- tema alimentar e criar uma tradição alimentar que estabeleça uma relação ponderada entre todos os diferentes elementos, centrarmo-nos apenas nas frutas e hortícolas é como planear uma casa nova, desenhando apenas as portas e as janelas .” (p.35) Ou seja, a preocupação com a qualidade de certos produtos que ignora o impacto que a má qualidade do trigo, ou dos cereais, tem na nossa alimentação deve-se ape- nas, segundo Martens, ao facto de “ termos per- dido o sabor do grão .” “ A história do trigo é o anti-Pigmalião: no nosso esforço de dez mil anos para esculpir um grão mais perfeito, só conseguimos torná-lo mais morto .” (p.38) E “ não nos limitámos a matar o trigo; matámos também o sabor .” (p.40) É preciso perceber “ a linguagem do solo ” tam- bém porque a sua degradação se reflete no sabor. (p.62) “ Não há boa comida sem bom solo .” (p.68) E a abordagem química é a principal cul- pada da morte do solo. “ ‘A manutenção da fer- tilidade do solo é a verdadeira base da saúde e da resistência às doenças’, escreveu [o botâ- nico inglês Albert Howard] no livro An Agricul- tural Testament. (…) Ele via a tendência quí- mica, no melhor dos casos, como míope, e, no pior dos casos, como uma loucura que resulta- ria no colapso da capacidade produtiva do solo. Os adubos artificiais ( …) ‘conduzem inevitavel- mente a nutrição artificial, comida artificial, ani- mais artificiais e, finalmente, a homens e mulhe- res artificiais ’”. (p.77) Não saber tudo – de onde vem exatamente o sabor ou como funcionam exatamente os nutrientes –, aceitar que haja algum mistério permite que “ o respeito, e até o temor, preencha

RkJQdWJsaXNoZXIy NDU0OTkw