CULTIVAR 9 - Gastronomia
cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 9 SETEMBRO 2017 50 mos, intensamente doces. A degradação de proteínas em péptidos e aminoácidos tem uma enorme influên- cia no sabor do pão, sendo que estes não só acrescen- tam sabor de forma direta, como intervêm ativamente nas reações de Maillard que ocorrem na crosta do pão, elemento importantíssimo para as características orga- noléticas deste alimento [7]. A degradação enzimática consequente da fermenta- ção não tem implicações apenas no sabor do pão. A conversão de moléculas de elevado peso molecular em moléculas mais simples facilita a sua digestão e biodisponibilidade, tornando este alimento fácil de digerir [8]. Uma rede de moléculas extremamente complexa que ultimamente tem suscitado inúmeras dietas e abstenções no consumo de pão é o glúten. Trata-se de uma rede que é intensamente degra- dada por protéases endógenas do próprio trigo e exógenas por parte de bactérias láticas, fenómeno que não acontece de forma alguma numa fermen- tação convencional [9]. Este facto é descrito em inú- meros estudos científicos, nomeadamente por uma equipa de cientistas italianos que provou que o teor de glúten era muito menor em pães fermentados de forma natural [10]. A doença celíaca atinge cerca de 1% da população mundial, sendo que nos Esta- dos Unidos, por exemplo, cerca de 29% da popula- ção evita o consumo de glúten [11]. Estudos provam que não só esta enorme faixa dos ditos “intoleran- tes” pode consumir pão de fermentação natural sem qualquer problema, mas também que os celíacos podem ingerir pequenas quantidades sem a mais pequena reação adversa [10]. Concluindo, julgo que Portugal deve apostar mais numa produção diferenciada de cereais. Estes sus- tentam a civilização, sendo logicamente essenciais na alimentação dos portugueses. São parte abso- lutamente integral no pão que é um alimento crucial na nossa cultura gastronó- mica. Com o crescimento de nichos valorizadores de produtos locais, sustentá- veis, biológicos e de alto valor gastronómico, há que abarcar o pão nessa revolu- ção, destacando matérias- -primas verdadeiramente nacionais, transformadas a partir de processos naturais e conscientes, que visem a dignificação de um alimento de valor prá- tico e simbólico incalculável. Referências bibliográficas [1] LUSA, “Pão 100% português promove produção de cereais em Portugal”, Público , 2016 [2] Henriques, Francisca, “O pão que a máquina amassou”, Público , 2017 [3] LUSA, “Sector da agricultura biológica cresce “claramente puxado pelo consumidor’“, Público , 2017 [4] Martins, Isabel, “Os cereais em que vale a pena investir”, Vida Rural, 2014 [5] World Food Travel Association, Food & Beverage Tou- rism Future Bright Says World’s Largest Research Study , [Online], 20 de Junho de 2016 [Citação: 14 de Julho de 2017] http://www.worldfoodtravel.org/articles/food- -beverage-tourism-future-bright-says-worlds-largest-re- search-study [6] Katina, Kati, “Sourdough: a tool for the improved fla- vour, texture and shelf-life of wheat bread”, VTT PUBLI- CATIONS , 2005 [7] Martínez, Anaya, “Enzymes and Bread Flavor”, Journal of Agricultural and Food Chemistry , 1996 [8] Poutanen, Kaisa, Flander, Laura, e Katina, Kati, Sour- dough and cereal fermentation in a nutritional perspec- tive , Elsevier, Finlândia, 2009 [9] Thiele, Claudia, Grass, Simone, e Gänzle, Michael, “Glu- ten Hydrolysis and Depolymerization during Sourdough Fermentation”, Journal of Agricultural and Food Chemis- try , Alemanha, 2004 [10] Greco, Luigi et al ., Sourdough Bread Made from Wheat and Nontoxic Flours and Started with Selected Lactoba- cilli Is Tolerated in Celiac Sprue Patients , 2011 [11] Oksman, Olga, “Could sourdough bread be the answer to the gluten sensitivity epidemic?”, The Guardian , 2016 Portugal deve apostar mais numa produção diferenciada de cereais. Estes… são parte absolutamente integral no pão que é um alimento crucial na nossa cultura gastronómica. Com o crescimento de nichos valorizadores de produtos locais, sustentáveis, biológicos e de alto valor gastronómico, há que abarcar o pão nessa revolução, destacando matérias- primas verdadeiramente nacionais…
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