CULTIVAR 9 - Gastronomia

cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 9 SETEMBRO 2017 24 Com Soren Wiuff, falámos sobre algumas das pre- missas do movimento da nova gastronomia nór- dica, nomeadamente a ideia de foraging , ou seja de apanhar ervas e plantas que crescem selvagens nos campos e aproveitá-las para a nossa alimentação. O agricultor mostrou-se um pouco crítico dessa ideia romântica, defendendo que se todos nos pusermos a apanhar plantas selvagens, elas acabarão por desapa- recer. O melhor, na pers- petiva de Soren Wiuff seria introduzi-las na produção. Vale a pena reproduzir aqui um parágrafo desse texto que toca outro ponto que me parece funda- mental para o debate sobre a ligação entre a gas- tronomia e a agricultura: “Há sobretudo uma coisa que dá prazer a Soren – vender os seus produtos a quem lhes reconhece qua- lidade. ‘Quando se vende a um supermercado nunca se ouve ‘ahh, é um bom produto’, porque se elo- giam têm que pagar mais. É melhor vender aos restau- rantes. Aí ouvimos o elogio, mas também nos dizem quando as coisas não estão bem. Isso é muito importante para a nossa autoestima. E os produto- res têm que ter uma autoestima alta.” Logo aqui começa a perceber-se a importância de uma relação próxima entre cozinheiros e produto- res. Numa época em que os chefs atingiram um esta- tuto de estrelas, parece-me injusto que não se olhe mais atentamente para o trabalho dos agricultores e produtores. Felizmente, a pouco e pouco, esta ideia tem feito o seu caminho e, se bem que ainda não tenhamos produtores nas capas das revistas, temos já muitos chefs que aproveitam a visibilidade que conquistaram para não se promoverem apenas a si próprios, mas também os produtores com os quais trabalham. Mais tarde conheci em Por- tugal o trabalho extraor- dinário de Maria José Macedo, da Quinta do Poial, em Azeitão, e a relação que esta produtora, entretanto falecida (mas cujo tra- balho está a ser continuado pela filha, Joana), fazia com vários chefs . Umas vezes eram estes que lhe pediam para experimentar produzir algum pro- duto que queriam introdu- zir nos seus pratos, outras vezes era ela que os desa- fiava com algo que tinha testado no Poial. Este é apenas um bom exemplo, há outros, claro, mas ainda pontuais. Esperemos que se multipliquem. A proxi- midade entre produtores e cozinheiros é fundamental para uma visão integrada do que comemos e do que produzimos – a tal ideia de uma paisagem comes- tível à nossa volta. Ao longo dos anos seguintes, continuei a trabalhar e a aprofundar os temas da gastronomia, que, como jornalista do PÚBLICO, sempre defendi que deviam ser tratados de forma tam- bém ela integrada. Para mim, nunca fez sentido que a “gastronomia” fosse uma secção, com críticos gastro- nómicos a escreverem ape- Há sobretudo uma coisa que dá prazer a Soren – vender os seus produtos a quem lhes reconhece qualidade. ‘Quando se vende a um supermercado nunca se ouve ‘ahh, é um bom produto’, porque se elogiam têm que pagar mais. É melhor vender aos restaurantes. Aí ouvimos o elogio, mas também nos dizem quando as coisas não estão bem. Numa época em que os chefs atingiram um estatuto de estrelas, parece-me injusto que não se olhe mais atentamente para o trabalho dos agricultores e produtores. Felizmente, a pouco e pouco, esta ideia tem feito o seu caminho e, se bem que ainda não tenhamos produtores nas capas das revistas, temos já muitos chefs que aproveitam a visibilidade que conquistaram para promoverem os produtores com os quais trabalham. A proximidade entre produtores e cozinheiros é fundamental para uma visão integrada do que comemos e do que produzimos – a tal ideia de uma paisagem comestível à nossa volta.

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