Cultivar_7_O risco na atividade economica

cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 7 MARÇO 2017 50 jugou elementos do sistema corporativo fascista com a velha técnica dos seguros marítimos comer- ciais. Esse “mutualismo corporativo” consistia numa fórmula adaptada de vários afluentes ideo- lógicos e de diversas experiências institucionais. Era um mutualismo de Estado, entranhado numa orga- nização corporativa oligárquica, feita de harmonias sociais impostas. Este insólito mutualismo foi ainda mais autoritário e unívoco do que o cooperativismo agrícola, muito comum na produção de leite, vinho e azeite. Emmeados dos anos trinta, o próprio Salazar admi- tiu que a ideia das mútuas seria simples de adap- tar à organização corporativa e daria bom cumpri- mento aos propósitos do Estado em reorganizar as “pescas nacionais”: baixar o custo do seguro e garantir que, quando um barco se perdesse, havia provisões financeiras para indem- nizar o armador e crédito para construir uma nova unidade. Neste como nou- tros setores da economia dita corporativa, as inten- ções de seguro social não eram prioritárias. A lógica fundamental era a do financiamento indireto dos fatores de produção e do fomento das pescarias industriais, segundo uma lógica de “pesca de abas- tecimento”. Dado o carácter obrigatório dos grémios das pes- cas criados pelo Estado Novo (bacalhau, sardinha, arrasto, baleia e atum), todas as empresas filiadas nos mesmos tiveram de participar no capital das mútuas. Dado que nenhum armador pôde ficar de fora, este detalhe tornou a carteira de prémios des- tas sociedades muito mais larga do que a de qual- quer seguradora privada que apenas contratasse o seguro de uns poucos barcos. Em 1937, ano em que a Mútua dos Navios Bacalhoeiros – a maior das quatro sociedades, em volume de negócios e pré- mios emitidos – publicou os resultados do seu pri- meiro exercício, o esquema mostrou que garantia aos armadores uma boa cobertura de riscos e taxas de prémio a menor preço, permitindo que as indem- nizações fossem realmente pagas e sem demora. As mútuas de seguros erguidas no âmbito da orga- nização das pescas eram sociedades de direito pri- vado, mas investidas de fins públicos – “nacionais” ou “patrióticos”, segundo a propaganda. Essas atri- buições institucionais eram ditadas pelo estatuto e regulamentos dos grémios a que as mútuas esta- vam ligadas. Empresas destinadas a explorar os seguros marítimos, de acidentes pessoais e de tra- balho das diversas frotas de pesca e dos próprios pescadores, as mútuas da pesca combinavam tra- ços de seguro privado e social, o mutualismo livre e o autoritário. De modo a serem fiéis ao modelo cor- porativista que lhes serviu de molde, foram desprovi- das de qualquer natureza associativa. Detendo o monopólio do negócio segurador das pes- cas marítimas, as mútuas corporativas tornaram-se meios de financiamento indireto da renovação das frotas, em especial das pescas agremiadas. Volvidas algumas desconfian- ças iniciais relativas a cobertura de riscos, taxas de prémio e conflitos de interesse com as companhias privadas que antes contratavam os seguros do “ramo marítimo” – nomeadamente a Mútua Beira- -Mar , de Aveiro, que foi banida do mercado quando o Estado impôs a Mútua dos Bacalhoeiros –, a oli- garquia dirigente fez das mútuas o seu melhor argu- mento para convencer os armadores das vantagens da ordem corporativa. Nas pescas do bacalhau e do arrasto, as de maior expressão capitalista e polí- tica, mais do que através dos respetivos grémios, do crédito barato e dos preços de garantia na pri- meira venda, foi por meio das mútuas que o Estado As mútuas de seguros erguidas no âmbito da organização das pescas eram sociedades de direito privado, mas investidas de fins públicos – “nacionais” ou “patrióticos”, segundo a propaganda. Essas atribuições institucionais eram ditadas pelo estatuto e regulamentos dos grémios a que as mútuas estavam ligadas.

RkJQdWJsaXNoZXIy NDU0OTkw