Cultivar_7_O risco na atividade economica

As mútuas da pesca – economia corporativa e gestão do risco 49 Tratando-se de pescas industriais em mares lon- gínquos, dirigidas à produção de espécies de ele- vada importância comercial (bacalhau do Atlântico e diversas espécies de “peixe grosso” da costa oci- dental africana), essas cooperativas eram socieda- des destinadas a fornecer isco, combustível e apres- tos aos armadores, a preços mais baixos do que os de mercado. O mesmo se passou com a pesca da sardinha, ainda que menos protegida do que as demais. Significativamente, ao contrário do que sucedeu depois de 1974 quando o movimento coo- perativo conheceu uma for- tíssima expressão nas pes- cas portuguesas, durante a ditadura não houve coo- perativas de pescadores. A organização corporativa do trabalho, firmada nas Casas dos Pescadores, e a organização corporativa do capital, vertida nos grémios obrigatórios das pes- cas industriais, sufocaram quaisquer desenvolvi- mentos cooperativos. A exceção residiu nas referi- das cooperativas de comercialização de aprestos, cujos cooperadores eram, por inerência, as próprias empresas armadoras filiadas nos grémios que as instituíram. As mútuas da pesca No âmbito da sua política de proteção e fomento das “pescas nacionais”, nos anos trinta o Estado Novo instituiu quatro mútuas de seguros: Mútua dos Navios Bacalhoeiros (1936), Mútua dos Armado- res da Pesca da Sardinha (1939), Mútua dos Arma- dores da Pesca do Arrasto (1940), Mútua dos Pes- cadores (1942). Desse modo, o Estado varria do mercado várias companhias que exploravam seguros de barcos e haveres de pescadores. Ironicamente, coube ao corporativismo do Estado Novo resgatar a figura das antigas mútuas de seguros, embora perver- tendo os seus princípios associativos. A propa- ganda alegava uma continuidade entre as mútuas corporativas e os velhos compromissos marítimos, espécie de cooperativas de produção constituídas em torno das armações de pesca, sobretudo no Algarve, regulamentadas pelo Rei D. Manuel I. Nas pescas marítimas, foram essas as primeiras expres- sões de uma Economia Social assente em práticas mutualistas e cooperativas. Nas pescas nacionais sub- metidas à organização cor- porativa – e todas o foram entre 1933 e 1974 –, a inver- são autoritária das socie- dades mútuas de seguros imposta pelo Estado em nome do fomento das fro- tas e das campanhas de abastecimento de pescado foi uma prática original. O modelo traduziu-se na constituição de sociedades mútuas de seguros, fundadas por decisão governa- mental, através dos organismos corporativos patro- nais (grémios) e por meio de uma federação corpo- rativa de tipo sindical (a Junta Central das Casas dos Pescadores) destinada a enquadrar o trabalho e a gerir o recrutamento para as pescas industriais. Matemático especializado em cálculo atuarial e perito em seguros, Pedro Teotónio Pereira foi quem desenhou o modelo das sociedades mútuas de seguros. Fê-lo na pasta das Corporações e Pre- vidência Social, deixando a iniciativa prática ao Delegado do Governo junto dos grémios das pes- cas, Henrique Tenreiro, e a uns poucos juristas. A ideia das “mútuas corporativas” da pesca foi ins- pirada nas caixas de seguro mútuo e obrigatório, dirigidas a diversos setores do trabalho, que Mus- solini criara em Itália ao abrigo da Carta del Lavoro de 1927. Neste como noutros casos, o Estado Novo portu- guês preferiu soluções híbridas e pragmáticas: con- Nas pescas nacionais submetidas à organização corporativa … , a inversão autoritária das sociedades mútuas de seguros imposta pelo Estado em nome do fomento das frotas e das campanhas de abastecimento de pescado foi uma prática original. O modelo traduziu-se na constituição de sociedades mútuas de seguros …

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