Cultivar_7_O risco na atividade economica

cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 7 MARÇO 2017 48 conheceram e praticaram um efectivo mutualismo. Fundado no princípio da voluntariedade associa- tiva, o mutualismo é uma forma de associação para fins sociais que, ao repartir os riscos pelo maior número possível de associados, esbate os seus efei- tos e garante a todos um mínimo de seguro. A primeira sociedade mútua de seguros que se conhece em Portugal designava-se Sociedade Geral de Seguros Mútuos de Vida. Os seus estatu- tos foram vertidos em decreto real de 23 de Dezem- bro de 1858, tendo o rei D. Pedro V como protetor. Muitas outras surgiram nos anos e décadas seguin- tes, na sua maioria explorando “seguros mútuos sobre a vida”. No fim do século XIX, surgiram as pri- meiras iniciativas de cobertura de riscos de doença profissional ou acidentes de trabalho inspiradas no modelo alemão. Muitas dessas sociedades de seguro mútuo nasceram por iniciativa de bancos. Outras, mais frágeis, apareceram por associação de seguradores que tomavam o risco de seguradores de si próprios. Como exaltou Fernando Emygdio da Silva, refe- rindo-se sobretudo às associações de socorros mútuos e mútuas de gado, “as mútuas tornaram- -se no maravilhoso instrumento de força ao serviço leal das grandes ideias da previdência pelo seguro fundamentalmente mútuo. As mútuas, populari- zando melhor a sua ideia, constituíram mesmo a única forma legítima e corretamente admissível de seguro” 1 . Paradoxalmente, em Portugal seria o corporati- vismo antiassociativo do Estado Novo a revitalizar a figura das mútuas de seguros, mas negando os seus princípios associativos. Como sintetizou Luís Simões de Abreu, “as Mútuas modernas, aprovei- tam a técnica e os processos de organização que a longa experiência das Sociedades de Seguros Priva- 1 Vasco Rosendo, O Mutualismo em Portugal. Dois Séculos de História e Suas Origens , Lisboa, Montepio Geral, 1996, p. 228. dos facultou e aplicam-nos, na medida do viável, à consecução dos seus objectivos próprios, entre os quais avultam o barateamento do custo do seguro pela eliminação dos intermediários e a canalização dos lucros para quem os tornou possíveis” 2 . O per- curso histórico das quatro mútuas da pesca criadas no âmbito da organização corporativa do Estado Novo confirma esta longa e atribulada transição. Um mutualismo corporativo As pescas marítimas foram a atividade económica e social onde mais sobressaiu um sinuoso mutua- lismo corporativo cujos princípios e práticas ficaram longe do mutualismo livre de base associativa. Coo- perativas quase não houve, a não ser umas poucas sociedades assim designadas, constituídas pela oli- garquia corporativa e aprovadas pelo Estado a fim de colaborarem no sistema de proteção das pes- cas nacionais. Equiparadas a sociedades comerciais (SARLs), essas cooperativas mercantis de abastecimento funciona- ram na dependência dos grémios das pescas indus- triais: Cooperativa dos Armadores de Pesca do Baca- lhau, 1938; Cooperativa dos Armadores de Pesca da Sardinha, 1939; Cooperativa dos Armadores de Pesca do Arrasto, 1940. Mais tarde, na sequência da criação dos respetivos grémios, foram constituídas outras duas pequenas cooperativas, dos armado- res de Pesca da Baleia, em 1946, e do Atum, em 1960. Na dependência da Junta Central das Casas dos Pescadores, para apoio à pequena pesca arte- sanal, fora criada em 1943 a Cooperativa dos Pesca- dores. No começo dos anos sessenta, nasceu ainda a COPENAVE, Cooperativa Abastecedora de Navios, dada a subida dos preços dos combustíveis e por- que o número de barcos das frotas bacalhoeira e de arrasto na costa de África aumentara muito. 2 Luís Simões de Abreu, “O Seguro Mútuo na Indústria da Pesca”, in Conservas de Peixe , ano IV, nº 39, Junho de 1949, p. 25.

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