Cultivar_4_Tecnologia

Glifosato, transgénicos e (falta de) precaução 41 o 9º cancro mais frequente a nível nacional. Alguma razão deve existir, e o glifosato pode ser uma delas – seria boa ideia despistar esta hipótese. O caso paradigmático da Argentina Neste momento o cancro é apenas um dos proble- mas em jogo, e pode nem ser o principal. E, como pensar apenas em glifosato é uma abstração teórica – ninguém está exposto apenas à substância princi- pal do herbicida – veja-se o que se passa num dos países onde os estudos olharam para a vida real: a Argentina. Mais de metade da área agrícola argen- tina é cultivada com soja transgénica tolerante ao Roundup , a qual recebe cerca de 200 milhões de litros desse herbicida por ano. Uma das consequências foi detetada por uma equipa da Universidade de Buenos Aires que publi- cou, em 2010, o primeiro de vários estudos onde se estabelece uma relação causa-efeito entre a expo- sição ao Roundup e o aumento de defeitos de nas- cimento (incluindo microcefalia e outras malforma- ções nervosas e ósseas). O mais importante é que estes efeitos teratogénicos ocorrem a doses inferio- res às verificadas nos campos agrícolas e como tal permitem explicar o aumento de defeitos de nasci- mento que efetivamente se deteta nas zonas rurais daquele país. 12 Estes cientistas detetaram malformações a concen- trações de 2 mg de glifosato/kg. Em termos de com- paração, e tal como referido acima, o limite para o glifosato na soja é de 20 mg/kg. Os valores não são diretamente comparáveis, pois o glifosato con- sumido vai sendo gradualmente descartado (mas não é claro quanto é retido nem a que velocidade é expelido). Onde já se pode estabelecer uma com- paração direta é com análises à urina a voluntários alemães publicada este ano, onde se detetaram 12 ( pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/tx1001749 ) contaminações até 0.2 mg/kg. 13 Aqui fica claro quão próxima a população europeia já está de valores demonstradamente problemáticos. É uma questão de tempo até se publicarem análises de urina com valores superiores aos 2 mg/kg. Esperemos que não seja Portugal a ganhar essa corrida. Porque não há medidas eficazes de pro- teção? O espaço não o permitiria e este artigo não pre- tende sintetizar todo o espetro de impactos na saúde humana já identificados na literatura cien- tífica (que abrangem desde doença de Parkinson a hipertensão gravídica), e nem sequer aborda os impactos ambientais igualmente demonstrados. O que vale a pena explorar é o porquê da ausência – há décadas – de medidas eficazes de proteção. É verdade que na década de 1970 se pensava que, como o passo bioquímico que o glifosato bloqueia em plantas, e que o torna um herbicida, é um passo que não existe em animais, não haveria problemas. Isso ajuda a desculpar o passado. Mas aí reside só parte da história. Outra peça do puzzle é que dois dos laboratórios americanos que fizeram os estudos iniciais foram mais tarde apa- nhados a falsificar vários trabalhos com outras substâncias. No caso do glifosato, por exemplo, repetiu-se já este século uma experiência crucial que tinha sido inicialmente realizada em 1978 e verificou-se que, em 31 anos, a toxicidade do glifo- sato tinha aumentado 300 vezes! 14 Diferenças desta monta deixam entrever potenciais conflitos de inte- resses logo desde o início. Em 2016 já se sabe muito mais mas, ainda assim, não fora a rebelião inesperada de quatro governos (França, Suécia, Itália e Holanda), já a Comissão 13 ( www.urinale.org/wp-content/uploads/2016/03/PK-Text- -Handout.pdf) 14 ( www.researchgate.net/publication/283329727_Glypho- sate_nontoxicity_the_genesis_of_a_scientific_fact)

RkJQdWJsaXNoZXIy NDU0OTkw