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CULTIVAR CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA N.31 | agosto 2024 | Sequeiro

1 CULTIVAR Cadernos de Análise e Prospetiva

CULTIVAR Cadernos de análise e prospetiva® N.º 31 | Sequeiro | agosto de 2024 Propriedade Gabinete de Planeamento, Politicas e Administração Geral (GPP) Praça do Comércio, 1149-010 Lisboa Telefone: + 351 213 234 600 e-mail: geral@gpp.pt | website: www.gpp.pt Equipa editorial Coordenação: Ana Sofia Sampaio, Bruno Dimas, Eduardo Diniz Ana Filipe Morais, Ana Rita Moura, António Cerca Miguel, Carolina Carvalho, João Paulo Marques, Mafalda Gaspar, Manuel Loureiro, Pedro Castro Rego, Rui Trindade e-mail: cultivar@gpp.pt Colaboraram neste número Armando Torres Paulo, Bernardo Machado, Carlos Palma, David Henrique Machado, David Sousa, Fernando Carpinteiro Albino, Filipa Santos, Filipe Vieira, Francisco Ataíde Pavão, Inocêncio Seita Coelho, Ivan Lopez, João Madeira, Jorge Soares, José Paulo Nunes, José Pedro Fragoso de Almeida, José Rafael Marques da Silva, Leonor Queiroga, Luís Encarnação, Luís Paixão, Manuela Correia, Maria Helena Guimarães, Maria Helena Semedo, Maria Isabel Ferraz de Oliveira, Mariano Terron, Mário Luís, Miguel Messias, Nora Berrahmouni, Nuno Manana, Patrícia Lourenço, Paulo Canaveira, Pedro Mendes, Rita Serrenho, Rui Pereira, Teresa Pinto Correia, Tina Farmer, Vanda Pires, Vanessa Duarte Edições anteriores: https://www.gpp.pt/index.php/publicacoes-gpp/cultivar-cadernos-de-analise-e-prospetiva Edição: Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) Execução gráfica e acabamento: Sersilito – Empresa Gráfica, Lda. Tiragem: 1 000 exemplares ISSN: 2183-5624 Depósito Legal: 394697/15

CULTIVAR Cadernos de Análise e Prospetiva N.º 31 agosto de 2024 Sequeiro

Índice 7/10 | EDITORIAL SECÇÃO I – GRANDES TENDÊNCIAS 13/23 | GERIR A ESCASSEZ DE ÁGUA NA AGRICULTURA DE SEQUEIRO EXIGE UMA ABORDAGEM INTEGRADA MANAGING WATER SCARCITY IN RAINFED AGRICULTURE REQUIRES AN INTEGRATED APPROACH Maria Helena Semedo 25/35 | O SEQUEIRO DO SUL, VIABILIDADE ECONÓMICA, PERSPECTIVAS E POLÍTICAS João Madeira 37/42 | DESAFIOS E SOLUÇÕES PARA A AGRICULTURA DE SEQUEIRO NO CONTEXTO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS Paulo Canaveira 43/51 | AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E A INFLUÊNCIA NO SETOR AGRÍCOLA Vanda Pires SECÇÃO II – OBSERVATÓRIO 55/65 | O QUE PENSAM OS AGRICULTORES José Pedro Fragoso de Almeida, José Paulo Nunes, Fernando Carpinteiro Albino e Francisco Ataíde Pavão 67/80 | CARACTERIZAÇÃO DA AGRICULTURA DE SEQUEIRO EM PORTUGAL Rui Trindade, Rui Pereira e David Sousa 81/90 | AGRICULTURA DE SEQUEIRO – AS POLÍTICAS PÚBLICAS E O SEU IMPACTO João Marques com o contributo de Maria Isabel Ferraz de Oliveira, Maria Helena Guimarães e Teresa Pinto Correia 91/96 | O MONTADO DA SERRA DE SERPA Inocêncio Seita Coelho e David Henrique Machado

6 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 31 AGOSTO 2024 – Sequeiro 97/101 | SEQUEIRO, VITICULTURA E FRUTICULTURA Pedro Castro Rego, Armando Torres Paulo e Jorge Soares 103/111 | CULTIVAR OS MERCADOS VOLUNTÁRIOS DE CARBONO E A BIODIVERSIDADE – OPORTUNIDADE PARA O SEQUEIRO NACIONAL José Rafael Marques da Silva, Carlos Palma, Filipa Santos, Filipe Vieira, Ivan Lopez, Leonor Queiroga, Luís Encarnação, Luís Paixão, Manuela Correia, Mariano Terron, Miguel Messias, Patrícia Lourenço, Pedro Mendes, Rita Serrenho, Vanessa Duarte e Mário Luís 113/115 | ESTADO DA ARTE DOS MERCADOS VOLUNTÁRIOS DE CARBONO Bernardo Machado SECÇÃO III – LEITURAS 119/123 | PORTUGAL MEDITERRÂNICO: O ALENTEJO E A BEIRA BAIXA NO INÍCIO DO SÉCULO XIX Síntese de A evolução agrária no Portugal Mediterrâneo: notícia e comentário de uma obra de Albert Silbert, de Orlando Ribeiro, 1970, por João Marques 124/128 | AS GUERRAS DO TRIGO – UMA HISTÓRIA GEOPOLÍTICA DOS CEREAIS Recensão do livro Oceans of Grain: How American Wheat Remade the World, de Scott Reynolds Nelson, 2022, por Ana Filipe de Morais 129/132 | POMAR DE SEQUEIRO – DIETA MEDITERRÂNICA | ALGARVE Recensão do livro com o mesmo nome, de Artur Barracosa Mendonça et al., 2023, por Carolina Carvalho 133/139 | ESCASSEZ DE ÁGUA NA AGRICULTURA: UMA PREOCUPAÇÃO GLOBAL Divulgação do Documento de trabalho e da Declaração final da Conferência Ministerial Agrícola dos países do MED9, 2024

7 O Sequeiro é o tema desta edição n.º 31 da Cultivar em que procuramos partilhar análises, dados e experiências diversificadas de técnicos e agricultores sobre a importância e dificuldade de gerir um vasto território em que dos três principais elementos decisivos no crescimento das plantas – Solo, Água e Sol, apenas este último é generoso. Portugal Continental está, em grande parte do seu território, particularmente o Sul e o Interior, sob a influência do clima mediterrânico, caracterizado por invernos suaves e chuvosos e verões com défice de humidade e em que com alguma regularidade ocorrem secas. Na ausência de irrigação, a agricultura que se desenvolve nestas regiões é uma agricultura de sequeiro, muitas vezes apenas designada como – Sequeiro, a qual está dependente da humidade do solo, das águas subterrâneas e da chuva ocasional. Estas condições levam à prática de uma agricultura extensiva em que as pastagens, as culturas forrageiras e as culturas permanentes são as principais opções dos agricultores, que se expandem ao longo de um mosaico agroflorestal. A Superfície Agrícola Útil de Portugal é essencialmente ocupada por esta agricultura de sequeiro. O Sequeiro ocupa 86% do solo agrícola abarcando uma área de 3,8 milhões de hectares. Apenas cerca de 630 mil hectares são irrigáveis, nos quais se desenvolvem culturas agrícolas com maiores níveis de produtividade. No entanto, mesmo com a aposta na expansão da área irrigada e na introdução de tecnologias de poupança e distribuição de água, o desenvolvimento da agricultura de sequeiro tem de ter soluções próprias para valorizar o seu potencial produtivo e agroambiental. Não se pode cair nem na ilusão de que todo o Sequeiro irá ser irrigável a prazo, nem na fatalidade de que esta é uma agricultura inviável. A construção de soluções para a viabilização destes territórios, quer por via do mercado, quer por via dos apoios públicos é essencial para o desenvolvimento equilibrado do nosso país. Várias são as áreas de atuação: o desenvolvimento de tecnologias para o desenvolvimento de variedades resistentes à seca, as práticas de agricultura de conservação, a diversificação, a valorização do património natural e cultural, os serviços de ecossistema, etc. Contudo, reconhecem-se as dificuldades em presença fruto de várias incertezas no desenvolvimento da atividade agrícola nestas regiões, quer derivadas das alterações climáticas, quer pela pressão sobre os sistemas produtivos praticados, caso da silvopastorícia. O papel das políticas públicas, não só da Política Agrícola Comum (apoio direto aos agricultores e práticas agroambientais), mas também de outras Editorial EDUARDO DINIZ Diretor-geral do GPP

8 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 31 AGOSTO 2024 – Sequeiro fontes de financiamento para a valorização do solo (clima), água (infraestruturas) e biodiversidade, deve ser de uma atuação coerente e consequente na (re) vitalização destes territórios rurais. Neste caminho, o papel dos agricultores é essencial e, como se pode ler nesta edição, são várias as estratégias e o engenho demonstrados nos exemplos de explorações que selecionámos e em que a gestão em escala se afigura essencial. Como dizem os agricultores que ouvimos para esta edição, é preciso por um lado, perceber qual é a melhor solução para cada terreno, atentos à sua natureza, e, por outro lado, compreender que estes são sistemas robustos, adaptáveis e com menos custos associados, se apostarmos, por um lado, na tecnologia e no conhecimento e, por outro lado, no caráter multifuncional da agricultura e do espaço rural. Nos vários testemunhos técnicos e dos agricultores sobressai que o Sequeiro faz parte de um futuro sustentável da agricultura e da alimentação não só em Portugal, mas também em grande parte do planeta. A abrir a secção Grandes Tendências, Maria Helena Semedo, da FAO, traça o panorama da agricultura de sequeiro no mundo e dos desafios que enfrenta, em particular com a agravante das alterações climáticas. Afirma a importância da gestão da escassez de água numa abordagem múltipla, apresentando os diversos programas da FAO dedicados a esta temática um pouco por todo o globo. Refere métodos tradicionais e tecnológicos para melhorar a produtividade deste tipo de agricultura, não esquecendo o importante papel das florestas e das árvores. Ao longo do artigo, a autora cita inúmeros exemplos de casos de sucesso, salientando também a importância da partilha de dados e informação. Conclui afirmando que “as soluções técnicas e de gestão devem ser incluídas em abordagens holísticas integradas, apoiadas por políticas e medidas adequadas e sustentadas por incentivos e investimentos financeiros. Temos de ser inclusivos, transparentes e transversais.” O artigo de João Madeira faz uma análise abrangente das questões levantadas à viabilidade de uma exploração de sequeiro no Sul do país, relevando por um lado a importância da mudança climática e, por outro lado, a necessidade de a resposta passar por uma boa gestão dos recursos naturais existentes, nomeadamente um dos mais cruciais: “um solo bem preservado, rico em matéria orgânica e com porosidade significativa oferecerá, em princípio, uma elevada capacidade de retenção de água”. Reflete sobre as melhores estratégias para atingir o objetivo da viabilidade, tanto em termos da gestão feita pelos agricultores, como dos efeitos das políticas públicas e das dinâmicas que estas estabelecem com a produção. Não esquece que “um problema com este grau de complexidade não poderá ter soluções simples, nem tão-pouco soluções singulares”, concluindo com uma pergunta fundamental a que a sociedade deverá responder previamente na abordagem a estas questões: “quanto custa um território vazio?” Paulo Canaveira, do MARETEC e do LEAF/TERRA, descreve os problemas que a agricultura de sequeiro coloca a quem a pratica, agravados com a perspetiva da mudança climática. Logo de seguida, porém, interroga: “Mas significa isto o fim da agricultura de sequeiro em Portugal? Boa parte da resposta estará em fazer ou não ‘tudo igual’. Que podemos então fazer de diferente?”, apresentando uma lista consistente de soluções. “Embora o regadio possa parecer a solução evidente”, o autor esclarece que não só ele não é extensível a todo o país, mas também tem desvantagens, ainda que soluções intermédias de regas pontuais possam ser consideradas. Outras soluções que preconiza incluem: o “desenvolvimento de culturas Montado com vacas em pastoreio sob coberto, Assumar, Monforte, Portalegre, 2005 Fotografia de Afonso Alves Acervo do GPP

Editorial 9 resistentes à seca”; a “aposta em novas (e velhas) culturas”; a intervenção no solo; a diversificação cultural; a agricultura de precisão; a integração de pecuária e agricultura; o emparcelamento, sem esquecer, naturalmente, “o papel dos apoios públicos”. O futuro e os seus desafios são também “uma oportunidade para inovação e resiliência”, conclui. No artigo de Vanda Pires, do IPMA, aborda-se diretamente a temática das alterações climáticas e o seu impacto no setor agrícola. A autora começa por enquadrar a questão a nível global, referindo em particular as mudanças a nível da precipitação. Analisa também alguns dos cenários previstos para o futuro próximo e mais longínquo, que incluem aumentos de temperatura, com maior frequência de ondas de calor ou fenómenos extremos, entre os quais secas com consequências gravosas para a produção agrícola e a segurança alimentar, em particular na região do Mediterrâneo. Centrando-se em Portugal, refere os períodos de seca mais recentes, cuja frequência e intensidade têm vindo a aumentar desde a década de 1980, salientando que “a agricultura será um dos setores mais afetados As suas condições produtivas serão cada vez mais desafiantes, tornando-se essencial encontrar soluções de melhor adaptação para as culturas de sequeiro em Portugal.” Termina com algumas dessas soluções. A abrir a secção Observatório, a rubrica “O que pensam os agricultores” é um formato a que pretendemos continuar a recorrer sempre que a temática da edição o proporcione. Convidámos quatro agricultores, José Pedro Fragoso de Almeida, José Paulo Nunes, Fernando Carpinteiro Albino e Francisco Ataíde Pavão, a responderem a quatro perguntas, por escrito ou em entrevista. Os resultados, como é também habitual, são díspares, apesar do número reduzido de inquiridos, mas apontam para caminhos a ter em conta. De seguida, dois artigos do GPP pretendem fazer um enquadramento da agricultura de sequeiro no nosso país e no âmbito da União Europeia (UE). O primeiro, de Rui Trindade, Rui Pereira e David Sousa, faz uma caracterização detalhada e gráfica do sequeiro em Portugal, referindo questões ligadas à sua viabilidade e importância no território, incluindo a distribuição e expressão regional e territorial dos principais tipos de cultura. Conclui com uma avaliação específica da viabilidade económica destes sistemas para as explorações orientadas para a produção de bovinos para carne, podendo observar-se a relevância dos apoios públicos. O segundo artigo, de João Marques, com o contributo de Maria Isabel Ferraz de Oliveira, Maria Helena Guimarães e Teresa Pinto Correia, da Universidade de Évora, faz um histórico das políticas agrícolas a nível da UE e do nosso país, avaliando o respetivo impacto neste tipo de agricultura. Ilustra como se têm procurado as melhores soluções em termos de apoio, realçando-se um exemplo de inovação através de um Anexo, da autoria das três investigadoras referidas, em que se descreve mais detalhadamente a medida Gestão do Montado por Resultados. De seguida, Inocêncio Seita Coelho e David Machado esclarecem no seu artigo como surgiu um sistema agrosilvopastoril com a importância, a diversidade e a singularidade do montado da Península Ibérica. Detalham depois as características do montado em Portugal, em termos estruturais, culturais, sociais e até gastronómicos, que ajudaram, aliás, ao reconhecimento pela UNESCO da Dieta Mediterrânica como Património da Humanidade. Elencam depois as especificidades do Montado da Serra de Serpa que os levou a propor a sua candidatura a Sistema Importante do Património Agrícola Mundial (SIPAM/ GIAHS), já que se enquadra perfeitamente nos objetivos e metas desta classificação da FAO. Um artigo coligido por Pedro Castro Rego, do GPP, com o contributo de Armando Torres Paulo e Jorge Soares, procura analisar as questões que se levantam no terreno à continuação da agricultura de sequeiro para culturas permanentes como a vinha e as frutícolas (pera e maçã, neste caso). Os três autores referem as dificuldades, as vantagens e os desafios de cada uma destas culturas nos dois regimes, de sequeiro e regadio, mas concluem que só haverá produtividade e competitividade para estes setores recorrendo a irrigação, debruçando-se depois sobre as melhores soluções para o conseguir de uma forma sustentável.

10 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 31 AGOSTO 2024 – Sequeiro José Rafael Silva et al., da Agroinsider, analisam os mercados voluntários de carbono na sua relação com a biodiversidade, examinado o potencial de sumidouro de carbono do solo de uma região da Península Ibérica, através de dados obtidos com amostras recolhidas “em 82 herdades entre Portugal e Espanha nos anos de 2023 e 2024”. Estudam variáveis como granulometria, pH, fertilidade, teor de matéria orgânica, concluindo que “o potencial de negócio associado ao armazenamento de carbono nos solos mediterrâneos é relativamente baixo” comparado com o Norte e o Centro da Europa. Verificam depois o potencial das árvores, analisando igualmente diversas variáveis. A conclusão, desta vez, é que a aposta nas espécies de crescimento lento e nos sistemas agroflorestais, como o montado, é positiva e que “os projetos de carbono e biodiversidade agroflorestais poderão, sem sombra de dúvida, aumentar a sustentabilidade do sequeiro a nível nacional”. Numa breve súmula, Bernardo Machado, mestrando no ISA, explica o que se passa atualmente nos Mercados Voluntários de Carbono, fazendo um historial da sua origem e objetivos (criar um quadro de certificação da União relativo às remoções de carbono que permita também evitar o branqueamento ecológico, greenwashing), esclarecendo os critérios cumulativos da certificação e reportando os últimos desenvolvimentos a nível da União Europeia e de Portugal, com a recente publicação de legislação relativa, que o autor analisa também. A secção Leituras começa com uma análise ao comentário feito por Orlando Ribeiro em 1970, A evolução agrária no Portugal Mediterrânico, à tese de doutoramento de Albert Silbert publicada em 1966, com o título Le Portugal Méditerranéen à la fin de l’Ancien Régime. Segue-se uma recensão do livro As Guerras do Trigo, de Scott Reynolds Nelson, especialista em história económica internacional, com uma perspetiva particular sobre a evolução da produção e comercialização dos cereais e como estas influenciaram durante séculos as guerras de poder pelo território e pelos recursos agrícolas. Concluímos com uma síntese do livro Pomar de Sequeiro – Dieta Mediterrânica | Algarve, de Artur Mendonça et al., e a apresentação dos documentos da recente Conferência Ministerial Agrícola dos países do MED9 sobre a questão da escassez de água para a agricultura na região do Mediterrânico, destacando também o Diálogo de Alto Nível sobre a Água que irá decorrer em outubro sob o patrocínio da FAO, numa demonstração de que estas são efetivamente preocupações prementes a nível global.

Editorial 11 GRANDES TENDÊNCIAS N.º 31 agosto de 2024

CULTIVAR v.t. TRABALHAR A TERRA PARA TORNÁ-LA FÉRTIL.

13 Gerir a escassez de água na agricultura de sequeiro exige uma abordagem integrada MARIA HELENA SEMEDO Ex-Diretora-Geral Adjunta* da FAO, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura Escassez de água num clima em mudança: um desafio para a agricultura de sequeiro A agricultura de sequeiro representa 80% do total das terras cultivadas e 96% das terras agrícolas na África subsariana. Devido à elevada variabilidade da precipitação, às longas estações secas, às secas recorrentes, aos períodos de estiagem e às inundações, a gestão da água é particularmente crucial na produção de sequeiro – e ainda mais com as alterações climáticas, que modificam o ciclo global da água, os padrões de precipitação, o escoamento fluvial e a recarga dos aquíferos. O aumento das temperaturas e dos níveis de CO2 intensifica a evapotranspiração e reduz a água do solo, o que, por sua vez, provoca stress nas plantas dos ecossistemas secos, encurta os períodos de crescimento das culturas e reduz a produtividade. O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa) refere que em 75% das áreas cultivadas a nível mundial ocorreram perdas de rendimento relacionadas com a seca e que estas aumentaram nos últimos anos. Inundações mais frequentes tiveram também impacto na produção através de danos diretos nas culturas, encharcamento e atrasos na plantação. O IPCC prevê que o contraste na precipitação média anual entre regiões secas e húmidas, bem como entre estações do ano, vai aumentar a nível mundial, com “as regiões húmidas a ficarem mais húmidas e as regiões secas a ficarem mais secas”, com menos chuvas, mas mais intensas, o que conduzirá a um aumento simultâneo de secas e inundações. Secas mais intensas e/ou mais longas vão expor as culturas de sequeiro a stress hídrico, reduzindo a produtividade e a qualidade. Chuvas mais intensas, especialmente em terrenos inclinados com solos degradados, resultarão * A Dr.ª Maria Helena Semedo deixou as suas funções como Diretora-Geral Adjunta da FAO em julho de 2024. [Nota da equipa editorial] Os constrangimentos à melhoria da produtividade dos sistemas de sequeiro diferem muito de região para região. Nas zonas áridas, a quantidade absoluta de água disponível é o principal fator limitante. Nas regiões tropicais semiáridas e sub-húmidas secas, o maior desafio é a extrema variabilidade da precipitação no tempo e no espaço. E em muitas zonas … os solos pobres … são também um fator limitante.

14 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 31 AGOSTO 2024 – Sequeiro em mais escoamento superficial com maior erosão do solo e menor infiltração, reduzindo a recarga dos aquíferos. Os constrangimentos à melhoria da produtividade dos sistemas de sequeiro diferem muito de região para região. Nas zonas áridas, a quantidade absoluta de água disponível é o principal fator limitante. Nas regiões tropicais semiáridas e sub-húmidas secas, o maior desafio é a extrema variabilidade da precipitação no tempo e no espaço. E em muitas zonas – especialmente nas terras áridas – os solos pobres, frequentemente com reduzida capacidade de retenção de água, são também um fator limitante. O elevado risco de perda de rendimento relacionada com a água pode influenciar negativamente as decisões de investimento dos agricultores, incluindo os investimentos em mão de obra, sementes melhoradas e fertilizantes. As opções de gestão devem, por isso, começar por apoiar os agricultores na adoção de práticas que reduzam os riscos relacionados com a precipitação. As soluções A gestão da escassez de água nos sistemas de sequeiro deve ter como objetivo a combinação de práticas que conservem a água no solo e na paisagem, promovam a utilização sustentável e a recuperação de biodiversidade (espécies, variedades e ecossistemas) adaptada e resistente à seca e à precipitação prevista, e que considerem alternativas às culturas e/ou uma conjugação com a pecuária e a silvicultura em sistemas agroflorestais ou silvo-pastoris. Mapeamento da humidade do solo para gerir a escassez de água: A água retida no solo, aquilo a 1 https://www.fao.org/global-soil-partnership/soil-doctors-programme/about-the-programme/en/ 2 https://www.fao.org/global-soil-partnership/areas-of-work/recsoil/recsoil-home/en/ que se chama humidade do solo, é fundamental para a sobrevivência das plantas, para a obtenção de nutrientes e para permitir a atividade biológica. Controla igualmente o albedo do solo e os fluxos de calor através da evapotranspiração das plantas. É possível armazenar mais água no solo e utilizá-la de forma mais eficiente através de práticas de gestão do solo como a cobertura vegetal, a correção do teor de matéria orgânica e a redução da mobilização. Estas práticas podem melhorar o teor de humidade em 25-40% e são intensamente promovidas entre os agricultores no âmbito dos programas Global Soil Doctors1 e Soil Recarbonization2 da FAO. Apesar da sua importância, o mapeamento e a monitorização da humidade do solo ainda não estão amplamente incluídos nas ferramentas de gestão agrícola. A FAO desenvolveu o portal WaPOR (Water Productivity through Open access of Remotely sensed derived data – Produtividade da água através do acesso aberto a dados obtidos por deteção remota) para ajudar os países a monitorizar a produtividade da água e fundamentar decisões de gestão em áreas onde são necessárias melhores práticas. O WaPOR inclui agora um módulo sobre a humidade relativa do solo na zona das raízes para identificar a redução do crescimento da biomassa e planear melhor as intervenções com base nesta informação. Técnicas de captação de água: Há diversas técnicas de captação de água, incluindo técnicas tradicionais inovadoras como meias-luas, bunds e zaï, desenvolvidas por agricultores em África e no Próximo Oriente, que permitem concentrar e facilitar a infiltração de água no solo. A captação de água da chuva em reservatórios pode ser utilizada na pecuária ou como irrigação suplementar em fases e períodos críticos da vida das plantas, em particular nas fases iniciais das A gestão da escassez de água nos sistemas de sequeiro deve ter como objetivo a combinação de práticas que conservem a água no solo e na paisagem, promovam a utilização sustentável e a recuperação de biodiversidade … e que considerem alternativas às culturas e/ou uma conjugação com a pecuária e a silvicultura …

Gerir a escassez de água na agricultura de sequeiro exige uma abordagem integrada 15 culturas permanentes, quando o sistema radicular ainda não é capaz de ir buscar água às camadas mais profundas do solo. Na Jordânia, um país muito suscetível às alterações climáticas, onde 75% das terras cultivadas são de sequeiro, a FAO está a trabalhar com o governo no projeto Building resilience to cope with climate change in Jordan through improving water use efficiency in the agriculture sector (“Criar resiliência para fazer face às alterações climáticas na Jordânia através da melhoria do uso eficiente da água no setor agrícola”), que fornece às comunidades rurais meios de captação de água da chuva nos telhados para uso doméstico e agrícola. No Iémen, a FAO apoia as Associações de Utilizadores de Água na captação de água e na recarga de aquíferos com estruturas de pequena escala para recolha de águas pluviais nos uades. E no Estado de Gadaref, no Sudão, a FAO ajudou os pequenos agricultores de sequeiro, integrando a conservação do solo e da água e melhorando os sistemas culturais. Através da utilização de tecnologias inovadoras de gestão de bacias hidrográficas, os agricultores conseguiram reduzir o escoamento superficial e aumentar a produção das culturas, tendo a produtividade do sorgo quadruplicado e a do amendoim aumentado sete vezes. Restauração em grande escala para a agricultura de pequena escala: No Sahel, através do seu programa Action Against Desertification (Ação Contra a Desertificação)3 de apoio à Grande Muralha Verde4 de África, a FAO tem vindo a aumentar a captação mecanizada de água (ver caixa), combinada com a utilização de uma biodiversidade local múltipla e adaptada (árvores, arbustos e gramíneas) para alimentação humana e animal e produtos florestais não lenhosos, a fim de restaurar centenas de 3 https://www.fao.org/in-action/action-against-desertification/overview/en/ 4 https://www.unccd.int/our-work/ggwi milhares de hectares de sistemas agrosilvopastoris, nomeadamente no Burkina Faso, no Níger, na Nigéria e no Senegal. Grade rotativa Delfino para preparação mecanizada da terra na restauração em grande escala Em áreas com 200 a 600 mm de precipitação anual, a mobilização mecanizada profunda pode ser utilizada para a preparação de terras em grande escala (por exemplo, 50 a 200 hectares), utilizando grades rotativas Delfino especiais que reproduzem a tradicional meia-lua dos agricultores do Sahel. A grade cava mais fundo (50-80 cm), quebrando a crosta dura do solo e expondo-o de forma a criar micro- -barragens/micro-bacias para aumentar a permeabilidade e a retenção de humidade. Pode ser utilizada em declives com uma inclinação de até 10%, escavando as meias-luas perpendicularmente ao declive. Um trator com uma grade Delfino pode trabalhar até 15-20 hectares por dia, criando cerca de 500-700 micro-bacias por hectare; comparativamente, 100 trabalhadores/agricultores (frequentemente mulheres) cavariam 1 hectare com cerca de 300 micro-bacias por dia. O grupo Delfino criou uma oficina de manutenção especializada (serviço pós-venda), bem como uma escola de formação na África Ocidental para mecânicos e motoristas de tratores que utilizam este equipamento. O papel das florestas e das árvores: As florestas e as árvores desempenham um papel significativo no ciclo da água, da escala local à regional, facilitando a infiltração e gerando arrefecimento e precipitação. Embora as árvores possam muitas vezes ser vistas como utilizadoras de água em vez de recicladoras de água, porque consomem mais água do que a vegetação mais rasteira, como as gramíneas, as relações entre florestas e água são mais complexas. Por exemplo, um estudo realizado nos parques agroflorestais de Saponé, no Burkina Faso, concluiu que, neste caso, a recarga ótima dos aquíferos ocorria com densidades de 5-10 árvores por hectare. As florestas podem ter um papel fundamental na produção de chuva. Ao longo das costas montanhosas As florestas e as árvores desempenham um papel significativo no ciclo da água, da escala local à regional, facilitando a infiltração e gerando arrefecimento e precipitação.

16 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 31 AGOSTO 2024 – Sequeiro mediterrânicas, especialmente nas tardes de verão, quando a advecção marítima é dominante, a vegetação e as árvores criam a humidade atmosférica adicional que permite que o teor de água na atmosfera leve à formação de nuvens e a precipitação. As florestas da bacia amazónica são particularmente importantes para a agricultura de sequeiro na região, uma vez que fazem circular volumes imensos de água e humidade, regulando a precipitação não só no interior da bacia, mas também no exterior, na bacia do rio da Prata, no Pantanal e no centro-oeste do Brasil. Esta circulação de humidade é feita através de corredores ou rios atmosféricos. A bacia amazónica pode libertar cerca de 20 mil milhões de toneladas de água para a atmosfera por dia, contribuindo com aproximadamente 70% da entrada média anual de vapor de água na bacia do rio da Prata. A redução das florestas amazónicas teria impactos diretos importantes na produção agrícola da região. Modelação das necessidades hídricas das culturas na agricultura: A criação destes modelos é essencial para compreender as necessidades específicas em água das diferentes espécies e variedades e apoiar as escolhas dos agricultores. A FAO está a desenvolver uma aplicação inovadora para avaliar quantitativamente os riscos e impactos da seca na produtividade das culturas e da água e nas necessidades hídricas. A Drought Impact Assessment Platform (D-IAP – Plataforma de Avaliação do Impacto da Seca) baseia-se no modelo de crescimento AquaCrop5 desenvolvido pela FAO para estimar a produção agrícola em caso de seca e fazer avaliações nas condições climáticas atuais e em cenários futuros de alterações climáticas, considerando os sistemas agrícolas de sequeiro e de regadio. Exemplos de mudanças nas práticas agrícolas incluem o tipo de culturas utilizadas pelos agricultores, bem como alte5 https://www.fao.org/aquacrop/en/ 6 https://www.cimmyt.org/ rações nas datas de plantação para garantir o timing perfeito para as necessidades das plantas em matéria de água e temperatura. Biodiversidade e investigação para uma agricultura de sequeiro resiliente: As espécies e variedades resistentes à seca podem suportar períodos prolongados de seca e precipitação irregular, contribuindo para a resiliência da agricultura de sequeiro e para a segurança alimentar. Muitas iniciativas em matéria de melhoramento de plantas, em especial a latitudes mais baixas, visam a tolerância à seca, ao calor, à salinidade e às inundações. As variedades de milho híbrido tolerantes à seca, desenvolvidas pelo Centro Internacional de Melhoramento do Milho e do Trigo (CIMMYT, na sigla inglesa)6, revelaram-se mais produtivas do que as variedades não tolerantes em ensaios de campo na África Austral, especialmente no âmbito da agricultura de conservação. Um projeto da FAO em Moçambique utilizou parcelas de demonstração para escolas de campo de pequenos agricultores, onde as variedades foram testadas em diferentes condições agroecológicas. Os agricultores selecionaram depois as melhores variedades em termos de adaptabilidade e desempenho. Uma parceria a longo prazo entre a FAO e a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) utiliza tecnologias nucleares para desenvolver culturas com características melhoradas. Como resultado deste esforço conjunto, em 2020 foram introduzidas duas novas variedades de feijão-frade, que aumentaram a produtividade e a qualidade desta leguminosa. As novas variedades de feijão-frade, uma importante fonte de proteínas cultivada sobretudo em África, amadurecem mais rapidamente, requerem menos água, superam as variedades locais em termos de produtividade em As espécies e variedades resistentes à seca podem suportar períodos prolongados de seca e precipitação irregular, contribuindo para a resiliência da agricultura de sequeiro e para a segurança alimentar. [os] sistemas pastoris são excecionalmente eficientes do ponto de vista hídrico.

Gerir a escassez de água na agricultura de sequeiro exige uma abordagem integrada 17 condições de seca e demonstraram um desempenho superior na resistência a doenças e pragas. Gerir a escassez de água através de sistemas pastoris: Estes sistemas são excecionalmente eficientes do ponto de vista hídrico. A mobilidade dos pastores permite-lhes utilizar áreas mais secas durante a estação das chuvas e áreas mais húmidas durante a estação seca. O pastoreio favorece também a recarga dos aquíferos. As espécies forrageiras locais, eficientes em termos de água e tolerantes ao calor e à seca, são fundamentais para o avanço dos esforços de restauração agrosilvopastoril. A integração de leguminosas pode melhorar a quantidade e a qualidade da forragem, contribuindo para aumentar a fertilidade do solo, bem como para restaurar pastagens que possam suportar condições agroecológicas adversas e elevadas taxas de crescimento animal. A incorporação de vegetação lenhosa aumenta a disponibilidade de alimentos para os animais e reduz o impacto da seca. Por exemplo, através do programa de Ação Contra a Desertificação de apoio à Grande Muralha Verde de África, os agricultores restauraram os seus sistemas agrosilvopastoris com mais de 50 espécies locais, incluindo árvores, arbustos e gramíneas. Gerir a escassez de água através da gestão de florestas de sequeiro: As florestas, árvores e arbustos de sequeiro desenvolveram adaptações funcionais para poderem crescer em condições de temperatura elevada e escassez de água. As estratégias de gestão das florestas de sequeiro podem ajudar a aliviar a escassez local de água, aumentando a recarga dos aquíferos e dos solos. Estas estratégias incluem: aberturas no dossel, podas, seleção de espécies, sistemas agroflorestais e densidade de plantação. Todas estas iniciativas devem ser tam7 https://www.fao.org/in-action/epic/en/ bém consideradas nos esforços de restauração, uma estratégia igualmente importante para aumentar a resiliência dos ecossistemas secos e, simultaneamente, aumentar a sua produtividade. Os sistemas agroflorestais, em particular a silvopastorícia, são uma estratégia particularmente importante para a restauração florestal em zonas de sequeiro. Estes sistemas facilitam a infiltração de água e reduzem a temperatura do solo. Exemplos de explorações pecuárias baseadas em pastagens na América Latina mostram um aumento de mais de 175% na produção de forragem e de leite por hectare. Em todo o mundo, outros exemplos revelam também aumentos de produtividade e do coberto arbóreo. Os sistemas têm de ser cuidadosamente geridos para que os benefícios das árvores na infiltração da água não sejam anulados pelo pastoreio excessivo. Preparação com dados e informação: As projeções meteorológicas e climáticas são de particular importância para orientar a tomada de decisões a diversas escalas espaciais e temporais. Como demonstrado pelo programa Economic and Policy Analysis of Climate Change (EPIC – Análise Económica e Política das Alterações Climáticas)7 da FAO, a disponibilização de previsões meteorológicas e de projeções climáticas aos agricultores facilita a sua adaptação aos riscos climáticos e contribui para a adoção de sistemas de cultivo e de variedades de sementes resistentes, mais adequadas às condições meteorológicas previstas. É possível fornecer aos agricultores aconselhamento atempado, específico do contexto e do local, com base na monitorização das explorações e do crescimento das plantas, combinado com as previsões meteorológicas. Com um aconselhamento agrometeorológico eficaz, os agricultores podem tomar decisões informadas sobre uma melhor gestão da água. As tecnologias digitais móveis são cada As estratégias de gestão das florestas de sequeiro podem ajudar a aliviar a escassez local de água, aumentando a recarga dos aquíferos e dos solos. Com um aconselhamento agrometeorológico eficaz, os agricultores podem tomar decisões informadas sobre uma melhor gestão da água.

18 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 31 AGOSTO 2024 – Sequeiro vez mais utilizadas para enviar avisos agrometeorológicos aos agricultores. Na verdade, os serviços de aconselhamento agrometeorológico são indispensáveis a todos os decisores, desde agricultores a governos, em qualquer plano de gestão de risco. Sistemas de monitorização da seca agrícola, como o Agricultural Stress Index System (ASIS – Sistema de Índices de Stress Agrícola) da FAO, permitem a deteção precoce das áreas com maior stress hídrico para culturas e pastagens. Estas ferramentas permitem tomar medidas preventivas, como o transporte de alimentos para animais de outras áreas ou o abate precoce de animais. O Modelling System for Agricultural Impacts of Climate Change (MOSAICC – Sistema de Modelação dos Impactos das Alterações Climáticas na Agricultura) é um pacote integrado de modelos desenvolvido pela FAO para permitir aos utilizadores avaliar o impacto das alterações climáticas na agricultura. Os modelos integrados na plataforma MOSAICC estão categorizados em cinco componentes principais: ferramentas de processamento de dados climáticos, modelos de culturas, modelo hidrológico, modelo económico e modelo florestal. A FAO e o Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados (IIASA)8 cooperaram durante várias décadas para desenvolver e implementar o quadro de modelação e as bases de dados das Zonas Agroecológicas (ZAE). As ZAE avaliam as opções mais adequadas de utilização das terras agrícolas com base nas características ecofisiológicas das plantas e nos requisitos edafoclimáticos das culturas. A combinação de uma caixa de ferramentas para uma análise rápida dos riscos, uma ferramenta de avaliação dos riscos climáticos (CAVA – Climate and Agriculture Risk Visualization and Assessment) para analisar dados climáticos (passados e futuros) e modelos específicos 8 https://iiasa.ac.at/ 9 https://www.decadeonrestoration.org/pt-br como o AquaCrop permite avaliar os impactos setoriais específicos dos projetos. Em direção ao futuro Para capacitar todos os intervenientes – em especial, os agricultores – para enfrentarem os desafios da agricultura de sequeiro num clima em mudança, precisamos de um ambiente propício a todos os níveis que promova a gestão integrada da terra e da água em regiões propensas à seca e em sistemas de produção de sequeiro. Para uma melhoria a longo prazo e uma taxa de adesão significativa, as soluções técnicas e de gestão devem ser incluídas em abordagens holísticas integradas, apoiadas por políticas e medidas adequadas e sustentadas por incentivos e investimentos financeiros. Temos de ser inclusivos, transparentes e transversais. A nível internacional, a Década das Nações Unidas da Restauração dos Ecossistemas (2021-2030)9 poderá apoiar os esforços em prol de solos e ecossistemas saudáveis que conservem a humidade no solo e na paisagem. A nível nacional, os Planos Nacionais de Adaptação (PNA) e as Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB) oferecem oportunidades para integrar a agricultura de sequeiro nas políticas nacionais. E a nível de cada comunidade, o intercâmbio de conhecimentos, o reforço de capacidades e as parcerias estratégicas são fundamentais para que os agricultores possam tornar as terras agrícolas de sequeiro mais resilientes, rentáveis e sustentáveis face às alterações climáticas. … as soluções técnicas e de gestão devem ser incluídas em abordagens holísticas integradas, apoiadas por políticas e medidas adequadas e sustentadas por incentivos e investimentos financeiros. Temos de ser inclusivos, transparentes e transversais.

Gerir a escassez de água na agricultura de sequeiro exige uma abordagem integrada 19 Uma seleção de recursos relevantes da FAO ● Drought portal – Knowledge resources on integrated drought management. https://www.fao.org/ in-action/drought-portal/ ● Agricultural Stress Index System (ASIS). https:// asis.apps.fao.org/ ● Modelling System for Agricultural Impacts of Climate Change (MOSAICC). https://www.fao.org/ in-action/mosaicc/ ●Global Agro-Ecological Zones. https://gaez.fao. org/ ● WAPOR (Water Productivity through Open access of Remotely sensed derived data). https://data. apps.fao.org/wapor/ ● Angioni, C., Haensel, M. & Wolf, J. 2023. Catalysing climate solutions: an introduction to FAO’s work on climate change adaptation in agrifood systems. Rome, FAO. https://doi.org/10.4060/cc9070en ●FAO. 2020. The State of Food and Agriculture 2020. Overcoming water challenges in agriculture. Rome. https://doi.org/10.4060/cb1447en ● Sacande M., Parfondry M. & Cicatiello C. 2020. Restoration in Action Against Desertification. A manual for large-scale restoration to support rural communities’ resilience in Africa’s Great Green Wall. Rome, FAO. https://doi.org/10.4060/ca6932en ● FAO. 2021. Global outlook on climate services in agriculture. Investment opportunities to reach the last mile. https://www.fao.org/policy-support/tools-and-publications/resources-details/ en/c/1469994/ ● FAO. 2021. National agrometeorological services and pest and disease early warning in Asia and the Pacific. Bangkok. https://doi.org/10.4060/ cb6537en ● FAO. 2022. Grazing with trees – A silvopastoral approach to managing and restoring trees. FAO Forestry Paper, No. 187. Rome. https://www.fao. org/3/cc2280en/cc2280en.pdf ● FAO. 2022. The role of genetic resources for food and agriculture in adaptation to and mitigation of climate change. FAO Commission on Genetic Resources for Food and Agriculture. Rome. https:// doi.org/10.4060/cb9570en ● FAO, IUFRO and USDA. 2021. A guide to forest-water management. FAO Forestry Paper No. 185. Rome. https://www.fao.org/3/cb6473en/cb6473en.pdf ● FAO, 2015. Global guidelines for the restoration of degraded forests and landscapes in drylands: building resilience and benefiting livelihoods, Berrahmouni, N., Regato, P. & Parfondry, M. FAO Forestry Paper No. 175. Rome. https://www.fao. org/3/a-i5036e.pdf ● HLPE, 2015. Water for food security and nutrition. A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security, Rome 2015. https://www.fao. org/3/a-av045e.pdf ● WASAG – The Global Framework on Water Scarcity in Agriculture. https://www.fao.org/wasag/

20 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 31 AGOSTO 2024 – Sequeiro Managing water scarcity in rainfed agriculture requires an integrated approach MARIA HELENA SEMEDO Former Deputy Director-General of FAO Water scarcity in a changing climate: a challenge for rainfed agriculture Rainfed agriculture represents 80 percent of the total cultivated land and 96 percent of the cropland in sub-Saharan Africa. Due to highly variable rainfall, long dry seasons, recurrent droughts, dry spells, and floods, water management is especially critical for rainfed production – even more so with climate change. Climate change modifies the global water cycle, rainfall patterns, river runoff and groundwater recharge. Increased temperatures and CO2 levels increase evapotranspiration and reduce soil water, which in turn stresses plants in dry ecosystems, shortens crop growing periods and reduces yields. The Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) reports that yield losses related to drought have occurred in 75 percent of harvested areas globally and increased in recent years. More frequent flooding has also impacted production through direct damage to crops, water-logging, and delays in planting. The IPCC projects that the contrast in annual mean precipitation between dry and wet regions, as well as between seasons, will increase globally with ‘wet getting wetter, dry getting drier’, with less but more intense rains, leading to both an increase in droughts and floods. More intense and/or longer droughts will expose rainfed crops to moisture stress reducing yields and quality. More intense rainfall, especially on degraded sloping lands, will result in more runoff with higher soil erosion and lower soil infiltration, reducing groundwater recharge. Constraints to improving rainfed system productivity differ greatly between regions. In arid areas, the absolute amount of water available is the major limiting factor. In semi-arid and dry sub-humid tropical regions, the biggest challenge is extreme rainfall variability in time and space. And in many areas – especially in drylands – poor soils with often poor capacity for water retention is also limiting. The high risk of water-related yield loss can adversely influence farmers’ investment decisions, including investments in labour, improved seed and fertilizers. Management options should therefore start by supporting farmers to adopt practices that reduce rainfall-induced risks. The solutions Managing water scarcity in rainfed systems should aim to combine practices that conserve water in soils and landscapes, promote the sustainable use and restoration of biodiversity (species, varieties and ecosystems) adapted and resilient to droughts and to projected precipitations, and consider alternatives to crops and/ or combining with livestock and forestry in agroforestry or silvopastoral systems. Soil moisture mapping for managing water scarcity: Water retained in the soil, known as soil moisture, is key to plant survival, to get nutrients and enables biological activity. It also controls soil albedo and heat fluxes through evaporation and plant transpiration. More water can be stored in soil and used more efficiently with soil management practices such as mulching, organic matter amendment and reduced tillage. These practices improve soil moisture content by 25-40 percent and are highly promoted among farmers under FAO’s Global Soil Doctors and Soil Recarbonization programmes. Despite its importance, soil moisture mapping and monitoring is not yet widely included in agricultural management tools. FAO has developed the WaPOR (Water Productivity through Open access of Remotely sensed derived data) portal to help countries monitor water productivity and inform management decisions in areas where improved practices are needed. WaPOR now includes a module on relative soil moisture in the root zone to identify biomass growth reduction and better plan interventions based on this information. Water harvesting techniques: Various water harvesting techniques, including innovative traditional techniques such as half-moons, bunds and zaï, developed by farmers in Africa and the Near East, allow to concentrate and facilitate infiltration of water in the soil. Rainwater harvesting in reservoirs

Gerir a escassez de água na agricultura de sequeiro exige uma abordagem integrada 21 can be used for livestock or as supplemental irrigation at critical periods and stages of plant life, particularly in the early stages of perennials when the root system is not yet able to retrieve water from profound soil. In Jordan, a country highly susceptible to climate change where 75 percent of cultivated land is rainfed, FAO is working with the government on the “Building resilience to cope with climate change in Jordan through improving water use efficiency in the agriculture sector “ project which provides rural communities the means to harvest rooftop rainwater for households and agriculture. In Yemen FAO supports Water Users Associations harvest water and recharge groundwater with small-scale structures to capture rainwater runoff in the wadis. And in Gadaref State, Sudan, FAO helped small-scale rain-fed farmers by integrating soil and water conservation and improving cropping patterns. By using innovative watershed management technologies, farmers reduced water runoff, boosted crop production with sorghum yields increased fourfold and groundnut yields sevenfold. Large-scale restoration for small-scale farming: In the Sahel, through its Action Against Desertification Programme in support of Africa’s Great Green Wall, FAO has been scaling-up mechanized water harvesting (see box 1), combined with the use of multiple local and adapted biodiversity (trees, shrubs and grasses) for food, feed and non-wood forest products, to restore hundreds of thousands of hectares of agrosilvopastoral systems including in Burkina Faso, Niger, Nigeria and Senegal. Delfino plough for mechanized land preparation in large-scale restoration In areas with 200- 600 mm annual precipitation, mechanized deep ploughing can be used for large land preparation (e.g. 50-200 hectares) using specialized Delfino ploughs that mimic the traditional half-moon of the Sahel farmers. The plough digs deeper (50-80 cm), breaking the soil’s hard crust and exposing the soil in a way that creates micro-dams/micro-catchments for better permeability and moisture retention. It can be used on slopes with up to a 10 per cent inclination, digging the half moons perpendicular to the slope. A tractor with a Delfino plough can work up to 15-20 hectares a day, creating about 500700 micro-catchments per hectare, comparatively, 100 workers/farmers (often women) would dig 1 hectare with about 300 micro-catchments a day. The Delfino group has set up a specialized maintenance garage (after-sales service) as well as a training school in West Africa for mechanics and tractor drivers using this equipment. The role of forests and trees: Forests and trees play a significant role in the water cycle from field to local and regional scales, facilitating infiltration, generating cooling and rainfall. Trees can often be seen as water users instead of water recyclers because they consume more water than shorter vegetation types such as grasses. The relationships between forests and water are however more complex. For instance, a study in the agroforestry parklands of Saponé in Burkina Faso found that, in this case, the optimum groundwater recharge happened at densities of 5-10 trees per hectare. Forests can have a key role in rain generation. Along Mediterranean hilly coastlines, especially in summer afternoons when marine advection is dominant, vegetation and trees create the additional atmospheric moisture that makes the water content in the air pass the tipping point to cloud formation and precipitation. The forests of the Amazon basin are particularly important for rainfed agriculture in the region by cycling immense volumes of water and moisture, regulating rainfall not only within the basin but also outside in the La Plata River basin, the Pantanal and west-central Brazil. This movement of moisture is done through moisture corridors or “flying rivers”. The Amazon basin can release approximately 20 billion tons of water into the atmosphere per day contributing approximately 70 percent of the annual mean water vapor input to the La Plata basin. Reduction of Amazon forests would have direct major impacts on agricultural production in the region. Modeling crop water needs in agriculture: Modeling crop water needs in agriculture is essential for understanding the specific water requirements of different species and varieties and support farmers choices. FAO is developing an innovative application to quantitatively evaluate drought risks and impacts on crop and water productivity and on water requirements. The Drought Impact Assessment Platform, D-IAP, builds on the FAO-developed AquaCrop growth model, to estimate crop production when drought occurs and carry out assessments under present climatic conditions and future climate change scenarios, considering rainfed and irrigated agricultural systems. Examples of changing cropping practices include the types of crops planted by farmers and also changing planting dates to ensure perfect timing for temperature and water requirements. Biodiversity and research for resilient rainfed agriculture: Drought-resistant species and varieties can withstand prolonged dry spells and erratic rainfall, contributing to the resilience of rainfed agriculture and food security. Many breeding efforts, in particular at lower latitudes, target tolerance of drought, heat, salinity and flooding. Drought-tolerant hybrid maize varieties developed by the International Maize and Wheat Improvement Center were found to have higher yields than non-tolerant varieties in on-farm trials in Southern Africa, especially under conservation agriculture. An FAO Project in Mozambique used demonstration plots

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