Cultivar_30

Biodiversidade dos animais domésticos da Península Ibérica: uma perspetiva genómica 83 estudar de forma abrangente os processos demográficos e investigar as alterações de características hereditárias (e.g. seleção) que ocorreram depois da sua domesticação. Não sabemos ainda se a elevada diversidade genética destas raças periféricas e bem adaptadas resulta de processos de hibridação com contributos de espécies ancestrais selvagens. De facto, análises recentes de genomas autossómicos e mitogenomas obtidos para quatro espécimes arqueológicos de gado bovino doméstico da Idade do Ferro (~2 800 AP-2 000 AP) oriundos do Magrebe Oriental (i.e., Altiburos, El Kef, Tunísia), corroboram a introgressão de fêmeas de auroques no efetivo doméstico (Ginja et al. 2023). Estes novos dados dos genomas de animais da Idade do Ferro do Nordeste do Magrebe reabrem a discussão sobre se terá ocorrido um terceiro evento de domesticação de bovinos no Norte de África, ou se processos de hibridação pós-domesticação podem explicar os padrões de diversidade genética observados. A diferenciação genética das raças taurinas da África Ocidental, como a N’Dama (chifres longos, longhorn) ou a Muturu (chifres curtos, shorthorn), poderá resultar de contributos de duas populações distintas de auroques locais. É necessário reunir dados arqueogenómicos diacrónicos de bovinos do Norte de África e do Sul da Europa para podermos modelar e tentar reconstruir os processos demográficos subjacentes à diferenciação destas raças. A resposta a questões relativas ao processo de domesticação requer o desenvolvimento de métodos e de fundamentação teórica que permitam integrar nas nossas análises a estrutura populacional ancestral. 3. Estudo do impacto e da resistência às alterações climáticas Compreender a adaptação ao calor e à seca de animais de produção pressupõe dar resposta a uma questão fundamental relativa à forma como a variabilidade genómica contribui para a fenotípica. Um dos desafios mais prementes do melhoramento genético animal tem sido a determinação dos fatores genéticos subjacentes a características fenotípicas multifatoriais. Na pecuária, a identificação de loci associados a características quantitativas (QTL, do inglês Quantitative Trait Loci) constitui uma abordagem importante e amplamente utilizada em programas de melhoramento de raças comerciais. No entanto, a identificação dos genes dos processos metabólicos subjacentes a estes milhares de QTL revelou-se extremamente difícil (Andersson and Purugganan 2022). O estudo de populações de animais domésticos de regiões biogeográficas distintas, para as quais estão disponíveis informações ambientais e fenótipos para várias características de interesse (ver caixa de texto), tem um enorme potencial para melhorar o poder das análises genómicas na deteção de variabilidade genética associada à adaptação. Estas características incluem a resistência a doenças e a tolerância ao calor e à escassez de água e alimentos observadas nas raças tradicionais/autóctones de diversas regiões. As abordagens bioinformáticas e de modelação já mencionadas e validadas para diferentes organismos deverão permitir: i) identificar genes/regiões do genoma sob seleção (i.e., selective sweeps) para determinadas características; ii) captar interações genoma-ambiente intra- e inter-racial; iii) fornecer informação científica sobre a evolução, adaptação e seleção das espécies de animais domésticos, tendo em vista a conservação de raças autóctones extremamente diversas e resilientes da Península Ibérica. A identificação de variantes genéticas associadas a processos de adaptação e seleção pode contribuir para a gestão sustentável da biodiversidade, que será essencial para lidar com o impacto das alterações climáticas em curso. Os genes das regiões do genoma sob seleção associadas à adaptação a determinados ambientes poderão ser caracterizados e as variantes genéticas respetivas assim identificadas utilizadas em programas de melhoramento animal, como por exemplo nas raças comerciais transfronteiriças com pouca diversidade genética, mais exigentes em termos produtivos e com menor capacidade de adaptação a alterações ambientais. Os resultados relativos a características relacionadas com a saúde têm o potencial de contribuir para uma redução dos principais surtos de zoonoses. A identificação de variantes nocivas (i.e., deletérias), em particular as potencialmente letais, poderá permitir a sua remoção das populações de forma controlada para evitar, por exemplo, aumento da consanguinidade, o que deverá

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