Cultivar_3_Alimentação sustentável e saudávell

A economia do bacalhau – cadeia de valor, mercados e dependência 75 Estima-se, de acordo com as diferentes fontes, que por volta de 1578 iam à pesca do bacalhau cerca de 350 navios por campanha de pesca, dos quais 150 franceses, 100 espanhóis, 50 portugueses e 50 ingleses. Enquanto as bases de países concorrentes – dos espanhóis (bascos, quase todos), franceses (sobre- tudo bretões, bascos e normandos) e dos ingleses – seriam temporárias e sazonais, do género barracas e toldos, as bases portuguesas seriam mais perma- nentes, baseadas em comunidades fixas e em aglo- merados populacionais especializados nas tarefas da transformação e salga do pescado e apoio às embarcações de pesca. A partir do trabalho de Amzalak (1923), tem-se conhecimento da existência de secas pelo menos desde 1572 em Aveiro, do que se induz que a pre- paração do bacalhau, sendo terminada no Conti- nente, se fazia paralelamente em pesca errante, com as capturas a serem complementadas com salga a bordo. A dinastia filipina trouxe consequências gravosas, numa época já de si conflituosa e de declínio para a economia e para a sociedade portuguesa, em par- ticular fora da metrópole. Ao tempo de Filipe II, em 1588, foram requisitadas todas as embarcações dis- poníveis para integrarem a Invencível Armada, ato que, num ápice, eliminou a frota de pesca portu- guesa da Terra Nova e destruiu qualquer prepon- derância estratégica e económica que entretanto se havia alcançado. Por exemplo, sabe-se que em 1624 ainda não havia nenhum navio de Aveiro ou Viana de Castelo que pescasse naquelas águas (Garrido, 2004). Em todos os países de matriz católica o consumo de bacalhau salgado acabou por se sustentar por imperativos religiosos, dado que a Igreja impunha abstinência de carne em quase metade dos dias do ano, com maior restrição ainda durante a Qua- resma. Com esta condição sociológica, no início do século XVIII, o comércio de bacalhau em Portugal passará a ser totalmente dominado pelos britânicos: detêm a hegemonia da pesca na Terra Nova, dominam grande parte dos circuitos produtores americanos (Nova Inglaterra) e conseguem uma penetração no mercado português de forma inaudita. A produção de bacalhau salgado inicia, assim, um processo de internacionalização e globalização, que ainda hoje se mantém: produção em pesquei- ros remotos, transformação total ou parcial em por- tos e localizações afastadas do consumo, a par de outras bem mais próximas deste alvo, colocação e comercialização nos portos em que se obtiver melhor preço de retalho. Serão as firmas financeiras britânicas, capitalistas de vocação mercantil, que financiam a armação, cobrem os riscos do negócio, recrutam mão-de- -obra, investem em infraestruturas de transforma- ção e secagem, em aprestos e em armazenagem em terra. Não partilhavam o negócio com investido- res portugueses, mantendo-se em sociedades que excluíam por completo os capitais nacionais: eram acima de tudo agentes e importadores, comercian- tes por grosso e, em muitos casos, com ramifica- ções que chegavam ao comércio local. A importação de bacalhau torna-se, assim, num ele- mento com um peso importante na balança comer- cial portuguesa. Nas palavras de Amzalak (1921), dirigidas ao Congresso Económico Nacional, no Porto, e referindo-se à história da atividade, cons- tata que Portugal é um dos países onde se regista um dos maiores consumos de bacalhau; e onde as suas indústrias do mar nunca produziram sequer 10% do necessário ao seu consumo. Algo próximo da realidade, ainda hoje. A média anual de importação de bacalhau salgado seco entre 1819 e 1829 foi de 282,8 mil quintais, ou seja, muito próximo das 17 mil toneladas anuais, para vir a crescer para 31,4 mil toneladas em 1912.

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