CULTIVAR 26 - Agricultura biológica e outros modos de produção sustentável

O silêncio da inocente primavera de Rachel Carson 117 só é quase tão antropocêntrico como aquele que critica, mas é também contraproducente. Embora a autora ofereça caminhos alternativos, sobretudo no último capítulo, também eles envolverão riscos. A Terra que temos agora é certamente muito diferente daquilo que seria um planeta sem humanos, mas não podemos pedir desculpa (nem temos a quem) por cá estarmos. Todas as ações, tanto as humanas como a de cada ente animado ou inanimado do planeta, têm consequências, nem todas “boas” nem todas “más”. Precisamos de continuar a avançar no conhecimento do que fazemos, antes e depois de o fazermos, mas com a humildade de aceitar que continuaremos a ignorar muito e a cometer muitos erros. Precisamos também de alimentar, com conta, peso e medida, a ainda crescente população humana do planeta (e a animal que alimenta a humana), o que exige produtividade, mas semmorder a mão que nos alimenta, neste caso a Terra e a terra; precisamos de ativismo para chamar a atenção para os problemas e dizer “o rei vai nu” quando é necessário dizê-lo, mas compreendendo que não é possível seguir cega- mente os ativistas sem comprometer a subsistência de muitos seres humanos mais vulneráveis; pre- cisamos que cada um de nós assuma que tem um papel a desempenhar para diminuir a sua pegada no planeta, mas sabendo que não o pode fazer sozinho e que serão necessárias mudanças mais sistémi- cas para reduzir a enorme pegada coletiva de 8 mil milhões de insaciáveis primatas. 14 “ Ever since chemists began to manufacture substances that nature never invented (…) ” ( Desde que os químicos começaram a fabricar substân- cias que a natureza nunca inventou (…) ” (Cap. 4) 15 A própria autora reconhece isso no Cap.15, onde fala das duras estratégias de sobrevivência de insetos e outras espécies, concluindo que a natureza encontra sempre o equilíbrio. Se assim for, também o fará certamente connosco. Precisamos de aceitar que muitos de nós, senão a maioria, não podem ou não estão dispostos a pres- cindir dos confortos da chamada “vida moderna” (incluindo telemóveis, computadores, automóveis, máquinas de todo o tipo, etc.), para um regresso a uma vida sem coisas “ que a natureza nunca inven- tou ” 14 , e que não nos podemos autoflagelar por isso, embora fosse proveitoso retomar, agora voluntaria- mente, parte da frugalidade imposta do passado. Precisamos, afinal, de entender cada vez melhor a natureza e a nossa própria natureza, sabendo, no entanto, que essa nossa natureza essencial, tribal, violenta e cruel, mas também social, cooperativa e compassiva, só muito lentamente mudará. Precisa- mos também de tentar abarcar a natureza integral dos problemas e impactos que vamos inevitavel- mente criando, para que com o espírito inventivo, simultaneamente criador e destruidor, de que fomos dotados por milhões de anos de evolução, possamos ir descobrindo as melhores soluções. De preferência, sem moralismos, nem falsos culpados, nem inocen- tes primaveras, que a história da vida, bem como a do universo, é ela própria simultaneamente plácida e turbulenta, doce e implacável 15 , e, como diz George Carlin, a natureza, tal como a conhecemos, “ não cas- tiga, não recompensa, não julga; apenas existe, tal como nós, por um bocadinho. ”

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