cultivar_22_Final_PT
48 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 22 ABRIL 2021 i) A reversibilidade generalizada do despovoa- mento de áreas rurais é uma impossibilidade. Assim sendo, é necessário intervir de forma dife- renciada e seletiva. ii) Essa intervenção pressupõe uma avaliação prévia robusta, isto é, baseada em informação rigorosa e conhecimento pluridisciplinar, da relação, atual e previsível, entre ecologia-co- munidade-economia, no sentido de apurar estratégias, políticas e instrumentos que visem aumentar a sustentabilidade das situações de dinâmica demográfica positiva ou estável, rever- ter tendências de perda demográfica ligeira, e gerir proativamente os casos estruturais de perda demográfica (o que em vários instrumen- tos de planeamento de países como Itália ou Espanha se designa por ´espaços abertos`, isto é, escassamente povoados mas não esquecidos ou abandonados). iii) A avaliação anterior deverá permitir a constru- ção de tipologias de áreas rurais e a identifica- ção de unidades territoriais sub-regionais perti- nentes para a intervenção pública. iv) Dada a relação histórica entre áreas rurais e agri- cultura, as políticas de desenvolvimento rural, nomeadamente no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC), tendem a prolongar essa rela- ção, o que não permite uma visão adequada às novas realidades de áreas rurais pós-agríco- las. v) Por outro lado, e dada a relevância da (boa) metodologia Leader no contexto do segundo pilar da PAC, a atual política de desenvolvimento rural aproxima-se de uma política de desenvolvimento local, reve- lando dificuldade em incluir dimensões mais complexas, de âmbito multinível e multiescalar. vi) A situação identificada no ponto anterior é par- ticularmente redutora num contexto marcado, por um lado, pela crescente relevância das cidades como atores da política alimentar e da dinamização dos espaços rurais, por outro, pela intensificação dos processos de financeirização e intensificação de uma parte significativa dos sistemas agroalimentares e, finalmente, pelo aumento de exposição e vulnerabilidade a fatores externos como as alterações climáticas e seus efeitos, com destaque para o avanço da desertificação. vii) Num contexto de crescente complexidade e imprevisibilidade, mas também muito prova- velmente de esgotamento do ciclo de moder- nização produtivista nascido com a revolução urbano-industrial (veja-se o caso dos combus- tíveis fósseis), o futuro das áreas rurais e a sua relação com os processos demográficos deve- rão ser encarados numa perspetiva dinâmica, de transição e transformação a favor de novos modelos de crescimento e desenvolvimento. A verdade é que conhecemos os efeitos demográ- ficos, para as áreas rurais, da falência do modelo de desenvolvimento rural tradicional, mas não incorporámos ainda, ao nível concetual e da for- mulação de políticas, as consequências, já visí- veis e potenciais, decorrentes da primeira gera- ção (urbano-industrial) e sobretudo da segunda geração (urbano-financeira) de modernização da sociedade e da economia portuguesas. viii) Em função das observações anteriores, o des- povoamento em áreas rurais deve ser preve- nido (onde ainda não se verifica), combatido (onde parece ser reversível ou controlável) ou gerido (onde dificilmente poderá ser estancado) a partir de uma perspetiva integrada de desenvolvimento territorial que tenha como referencial uma visão estratégica nacio- nal, como sucede com o Pro- grama Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT). As mudanças estruturais não se resolvem com voluntarismo e menos ainda com ingenuidade. As dinâmicas demográficas em áreas rurais resultam de interações complexas entre características biofísicas locais e genéricas e modelos socioeconómicos de desenvolvimento. Às políticas públicas caberá um … o despovoamento em áreas rurais deve ser prevenido (onde ainda não se verifica), combatido (onde parece ser reversível ou controlável) ou gerido (onde dificilmente poderá ser estancado)…
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