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34 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 22 ABRIL 2021 Nos últimos anos, temos visto os chefs de cozinha cada vez mais sensíveis à importância da qualidade do produto. Quem acompanha a área da gastrono- mia – com toda a visibilidade que, felizmente, ela conquistou – não pode deixar de se interessar pela da produção. É na terra que tudo começa. O que chega ao nosso prato tem uma história que é interes- sante conhecermos – e que cada vez mais os chefs querem contar, reconhecendo, justamente, o traba- lho essencial de produtores, agricultores, pescado- res, criadores de gado. O que é que falta, então? Falta, em primeiro lugar, dis- cutirmos mais abertamente estas questões e identificar- mos os problemas. Muitos chefs queixam-se que ainda existemuita falta de consistên- cia na qualidade do produto português. Isto deve-se sobre- tudo à escala. Pequenos pro- dutores não conseguem mui- tas vezes assegurar a mesma consistência que os grandes. É preciso criar canais que lhes permitam escoar os produtos mais facilmente – ouço mui- tas vezes alguns deles queixa- rem-se que uma deslocação a Lisboa para trazer dois ou três produtos a um restau- rante “não paga o gasóleo”. Incentivar a criação de melhores redes de distribuição (mas semmultiplicar o número de intermediários que encarecemoproduto final, prejudicandoprodutores e consumidores) e demercados de proximidade, apoiar as lojas que estão dispostas a pagar um preço justo a quem produz, limitar as autorizações de abertura de grandes superfícies que afetam o comércio local. Além disso, é vital integrar produtos locais, saberes, tradições e cultura gastronómica nas matérias de estudo das escolas de Hotelaria e Turismo, nos cur- sos de gastronomia – e fazê-lo a um nível nacional, mas também trabalhando e explorando as diferen- ças regionais. É importante apoiar e incentivar os estudos sobre a história da gastronomia e as inves- tigações sobre tradições gastronómicas. É essencial transmitir conhecimentos sobre estes temas – e tam- bém sobre uma alimentação mais saudável – nas escolas, desde os primeiros anos. Tal como valorizar os restaurantes, sejam de alta cozinha ou tradicio- nais e mais populares, que fazem um trabalho sério em torno dos produtos portugueses. E, tal como no Peru e noutros países, é fundamental reforçar a ligação entre o que se come nas escolas e os produtos/ produtores locais (as centrais de compras são um obstáculo a que isto aconteça pelo facto de a grande escala permitir preços mais económicos, mas é importante refletir sobre isto). E, evitando a tendência para sermos “mais papistas que o Papa”, não cairmos em excessos legislativos que mais tarde vimos a reconhecer como exageros. Os caminhos estão abertos. Os exemplos noutros países – e em Portugal também – são inúmeros. É preciso coor- denação, união de esforços, reconhecimento da impor- tância deste assunto, von- tade de fazer. De resto, o país tem excelentes produtos, tem uma forte tradição gastronómica, tem ainda agricultores que guardam saberes antigos e jovens que voltaram a interessar- -se pela agricultura, tem gente que conhece e que estuda estes temas (e que geralmente é muito pouco reconhecida e valorizada – veja-se a dificuldade em publicar livros de gastronomia que não sejam ape- nas de receitas). E, no meio de tudo isto, todos nós temos de fazer uma coisa muito fácil e, para além do mais, muito agradável – a paisagem comestível está à nossa volta; basta-nos comê-la. Só assim ela sobreviverá. … é vital integrar produtos locais, saberes, tradições e cultura gastronómica nas matérias de estudo das escola… … apoiar e incentivar os estudos sobre a história da gastronomia e as investigações sobre tradições gastronómicas. … transmitir conhecimentos sobre estes temas … valorizar os restaurantes que fazem um trabalho sério em torno dos produtos portugueses. … reforçar a ligação entre o que se come nas escolas e os produtos/ produtores locais… É preciso coordenação, união de esforços, reconhecimento da importância deste assunto, vontade de fazer.

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