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Vamos comer o que nos rodeia – e isso é só o início da mudança 33 usar carne de pior qualidade. Era preciso voltar a usar o bísaro, mas o problema era a falta de animais. Foi necessário convencer os produtores locais a trocarem as raças estrangeiras mais rentáveis pelo bísaro, mas para isso era preciso que este fosse valorizado e pago a um preço justo – e aí surgiu o pedido de proteção comunitária para os produtos do fumeiro, que culminou no Fumeiro de Vinhais IGP (Indicação Geográfica Protegida) e no Porco Bísaro DOP (Denominação de Origem Protegida). Foi a liga- ção com os enchidos certificados que permitiu salvar o bísaro da extinção, percebi eu num trabalho que fiz em 2013 sobre o que levava ao sucesso ou ao insu- cesso dos produtos DOP. Outros bons exemplos são os que ligam os produtos locais ao turismo. Como sabemos, há um interesse crescente de quem visita um país em conhecer não apenas os monumentos mas também as tradições e práticas locais. O sucesso do enoturismo tem tudo a ver com isso – e aí, mais uma vez, o setor do vinho apon- tou o caminho que pode ser seguido por outros produtos. É importante ligar a paisagem ao que comemos, mos- trar deondevemoque (desejavelmente) encontramos nos restaurantes da região, e quemestiver interessado em aprofundar pode até envolver-se numa atividade agrícola, seja a vindima e a pisa a pé, seja a ida à pesca ou simplesmente a passagem pelo mercado local para comprar o peixe diretamente à peixeira. Mais recentemente fiz, com a Francisca Gorjão Hen- riques, no PÚBLICO, um artigo em que lançávamos uma questão que não sendo diretamente a da ligação entre a agricultura e a gastronomia está próxima dela: que estratégia existe para a promoção da gastronomia portuguesa internacionalmente? A conclusão? Existem várias iniciativasdispersas,mas não existe ainda uma estraté- gia integrada que valorize em conjunto toda a fileira ligada à produção/alimentação. Mostrávamos, nesse trabalho, exemplos de outros países. Uma das pessoas que ouvi- mos foi Pelle Anderson, pre- sidente da Food Organization of Denmark (organização pri- vada com 30% de fundos públicos). E o que diz ele? “O processo coincidiu com uma revolução na produ- ção alimentar. A Dinamarca é um país industrial, com uma produção agrícola industrial muito forte. Este movimento começou e muitos pequenos produto- res, de queijo, de cerveja, de todo o tipo de produtos, começaram a conseguir produzir a uma escala mais pequena.” Em simultâneo, arrancava o movimento da produção biológica, “também muito inspirado pelo mundo da restauração”. Um exemplo: neste momento, das 50 mil refeições preparadas em Copenhaga para escolas e centros de idosos, 90% são elaboradas com produtos bioló- gicos”, aponta. “Houve uma reorientação política muito clara aqui: o Governo pediu mais produtos biológicos, e os pequenos agricultores que produzem em modo bioló- gico começaram a ter mais hipóteses de vender às instituições. Isto levou a uma mudança mais estrutu- ral na produção alimentar.” Separar produtores e restaurantes é um grande erro estratégico, diz ainda Pelle Anderson. Temde haver uma união entre a cena gastronómica, a indústria de vinhos e o turismo: “Este grupo a trabalhar em conjunto será muito mais forte. Às vezes, o Governo consegue fazer isso, pondo apenas algum dinheiro em cima da mesa e dizendo: façam qualquer coisa juntos. É preciso ter alguém que os una, alguém que perceba de culinária, especialistas, porque em muitos países se comete o erro de colocar nas mãos das agências de turismo, que podemnão saber absolutamentenadade gastronomia.” … que estratégia existe para a promoção da gastronomia portuguesa internacionalmente? A conclusão? Existem várias iniciativas dispersas, mas não existe ainda uma estratégia integrada que valorize em conjunto toda a fileira ligada à produção/ alimentação. Separar produtores e restaurantes é um grande erro estratégico… Este grupo a trabalhar em conjunto será muito mais forte. É na terra que tudo começa.

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