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32 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 22 ABRIL 2021 tanta história, tantas oportu- nidades, continua a ser con- siderado como do Terceiro Mundo, apenas exportador de matérias-primas. Esses jovens pensam que podem contribuir de alguma forma para que isso mude.” Homens como Gastón Acurio e Bernardo Roca Rey perceberam que a cozinha podia ser o tema que uni- ria todos os peruanos. “É uma atividade que toca a todos: agricultura, pesca, indústria, meio ambiente, os negócios, a promoção de um país no mundo, a cultura, a arte.” Apesar de ser ele próprio um chef famoso, Gastón Acurio não está a falar aqui da promoção de restaurantes ou de chefs- -estrela. A ideia é muito mais profunda – e generosa. “Se olhas para a cozinha apenas como um espaço lúdico, de prazer, se não te importas com o que está à tua volta, então, sim, trata-se apenas de comer, de desfrutar, para os que podempagar”. Numpaís como o Peru, explicou Acurio, “onde a riqueza choca per- manentemente com a pobreza, onde o prazer pode tornar-se imoral porque há crianças que sofrem de má-nutrição, foi mais fácil os cozinheiros reconhece- remque a cozinha tinha que ser algomais do que dar de comer aos poucos que podem pagar.” Um exemplo prático, entre muitos outros que relato nesse artigo: “Num dos fóruns de debate do Festival Mistura, a ministra do Desenvolvimento e Inclusão Social, Carolina Trivelli, sentou-se no palco para falar da necessidade de ‘comer sau- dável, comer o que é nosso’. ‘Não queremos apenas que as crianças comam bem, mas que sejam portadoras das tradições das suas regiões. Os grãos andinos estão no cen- tro desta estratégia’, declarou Trivelli, que dias depois assi- naria com a Apega um acordo para que vários produtos andinos, nomeadamente a quinoa, fossem introduzidos nas ementas das escolas. ‘É fundamental a aliança com os produtores locais e os cozi- nheiros. As nossas crianças precisam de saber de onde vêm os alimentos.” Gastón Acurio reforçou a ideia: “Há milhares de anos construiu-se no Peru uma biodiversidade em que as pessoas tinhamsegurançaambiental. Nãohavia crian- ças subnutridas porque comiamo que tinham. Depois veio o marketing e disse que tinham de beber leite e comer massa e as pessoas começaram a abandonar a quinoa e outros produtos. As políticas públicas deram ouvi- dos ao marketing e os progra- mas de assistência alimentar enviavamde Lima para o resto do país leite, açúcar, massa, arroz. Hoje, está-se a recuperar cadeias produtivas locais em dietas ricas, saudáveis, coerentes.” Em Portugal, também há bons exemplos – basta ver como muitos municípios fazem um excelente trabalho na valorização e divulgação de produtos locais. Não sendo possível falar de todos, gostaria de citar aqui um desses exemplos: o porco bísaro. Raça autóctone do Norte do país, o porco bísaro estava quase extinto em Portugal por ser conside- rado menos rentável que outras raças. Em 1995, Carla Alves, uma engenheira zootécnica sensível a este problema foi à procura dos poucos animais que ainda existiam e foi a partir desses exemplares que se deu início a um trabalho de recuperação da raça. Por seu lado, a Câmara Muni- cipal de Vinhais, que organiza a Feira do Fumeiro, estava preocupada com a queda de qualidade dos produtos do fumeiro regional e por isso decidiu apoiar o projeto do porco bísaro. Uma fiscaliza- ção dos produtos da feira per- mitiu concluir que se estava a … a cozinha podia ser o tema que uniria todos os peruanos. “É uma atividade que toca a todos: agricultura, pesca, indústria, meio ambiente, os negócios, a promoção de um país no mundo, a cultura, a arte.” … os cozinheiros reconhecerem que a cozinha tinha que ser algo mais do que dar de comer aos poucos que podem pagar … um exemplo: o porco bísaro. Raça autóctone do Norte do país, o porco bísaro estava quase extinto em Portugal… Em 1995, Carla Alves foi à procura dos poucos animais que ainda existiam e foi a partir desses exemplares que se deu início a um trabalho de recuperação da raça.
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