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Vamos comer o que nos rodeia – e isso é só o início da mudança 31 gastronómica”. O caso era diferente do dinamarquês. Tratava-se aqui de um país com forte cultura gastronó- mica mas que, por razões geográficas, se encontrava dividido em três. A costa, a montanha e a selva eram três realidades distintas, com hábitos gastronómicos e ingredientes diferentes, que, muitas vezes, se igno- ravam. Fui assistir ao Festival Mistura, em Lima, a capital, e aprovei- tei para perceber como é que a revolução tinha começado. Concluí que havia várias semelhanças com o que se passava na Dinamarca. As coisas não acontecem por acaso, são resultado de uma estratégia pensada por pessoas que têm uma visão – neste caso Bernardo Roca Rey, um antigo vice-ministro da Cultura que se tornou depois presidente da Apega, a Sociedade Peruana de Gastronomia; e, sobretudo, Gastón Acurio, chef tornado figura mediática, que com o seu programa de televisão viajou pelo país e mostrou aos próprios peruanos o que se comia do outro lado, apresentando a comida da costa a quem vivia na selva e na montanha e vice-versa. O país gastronómico começou aí a descobrir-se a si mesmo. Figuras carismáticas como Acurio no Peru ou Redzepi na Dinamarca são funda- mentais, mas houve, claro, uma visão política que partiu da vontade de tornar o Peru um destino de turismo gastronómico e uma referência para quem se interessa por gastronomia. Explicou-me Bernardo Roca Rey na altura: “O país vivia dividido por uma reforma agrária muito forte, por uma distância que se tinha criado entre os dife- rentes setores da sociedade, e eu entendi que eram precisos argumentos que reforçassem a autoestima dos peruanos. Saíamos de uma ditadura que tinha impedido a liberdade de expressão e a única coisa que existia eram anúncios de obras gigantescas, faraónicas, que o Governo estava a reali- zar. Então, dizia nos meus artigos [no jornal El Comercio ] que a história do Peru era algo para o qual devíamos olhar. E não imagina o êxito que isso teve num país tão dorido.” Cozinheiro amador, Roca Rey inventou um conceito: a cozinha novo-andina. Come- çou a cozinhar com produtos que não eram valorizados, associados aos camponeses pobres. Conto no texto: “Foi buscar os grãos como a qui- noa, a kiwicha, usou as imen- sas variedades de ajís (uma espécie de malagueta), as inúmeras espécies de batatas e convidou as pessoas a comerem o que nascia no Peru.” Chegamos mais uma vez à ideia essencial: por estra- nho que pareça, em muitos casos e muitos países, as pessoas deixaram de comer o que se produzia na sua terra, transformando a alimentação e colo- cando no prato produtos vin- dos de longe, deixando uma profunda pegada ecológica e condenando a agricultura local. Quando chega alguém que propõe que se coma o que a terra à nossa volta produz, isso é recebido com surpresa. Entrevistei também Gastón Acurio e percebi por- que é que ele é uma personagem tão carismática, capaz de mobilizar um país inteiro e, pelo menos na altura, com uma popularidade muito superior à de qualquer político. Disse-me ele: “Isto é só o começo de um grande plano que vai demorar ainda muito tempo e que nasce da sã, justa e compreensível indignação dos jovens peruanos, que não entendem porque é que um país tão rico, com tantos recursos, As coisas não acontecem por acaso, são resultado de uma estratégia pensada por pessoas que têm uma visão… Figuras carismáticas como Acurio no Peru ou Redzepi na Dinamarca são fundamentais, mas houve, claro, uma visão política que partiu da vontade de tornar o Peru um destino de turismo gastronómico e uma referência para quem se interessa por gastronomia. … por estranho que pareça, em muitos casos e muitos países, as pessoas deixaram de comer o que se produzia na sua terra, transformando a alimentação e colocando no prato produtos vindos de longe, deixando uma profunda pegada ecológica e condenando a agricultura local.
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