cultivar_22_Final_PT
Intensificação sustentável: um novo modelo tecnológico na agricultura 19 de produção por hectare, e não como nível de inputs por hectare, a intensificação agrícola pode, como vimos, ser a chave para satisfazer a procura crescente de alimentos, bioenergia e biomateriais, evitando, ao mesmo tempo, a conversão maciça de habitat natu- ral em terras agrícolas, a qual teria um custo ambien- tal insustentável. No âmbito domodelo químico-mecânico, os aumen- tos de produção por hectare do passado foram geral- mente conseguidos à custa de aumentos do nível de inputs por hectare. Deste modo, os consumos agríco- las de adubos, pesticidas, água ou energia multipli- caram-se globalmente por diversos fatores ao longo das últimas décadas. Este crescimento no uso de inputs determinou uma redução da eficiência com que os mesmos são utiliza- dos na produção agrícola, sendo necessárias doses crescentes de inputs para obter acréscimos sucessivos idênticos do nível de pro- dução (lei dos rendimentos decrescentes). Esta redução de eficiência, conjugada com o incremento generalizado do consumo de inputs , deu origem a uma diversidade de problemas ambientais, como a eutrofização dos ecossistemas aquáticos, o envenenamento das cadeias alimentares, o declínio dos aquíferos e caudais, e ainda a emissão maciça de gases com efeito de estufa pela agricultura. Além disso, tra- duz-se também frequente- mente em custos mais ele- vados, menor qualidade e segurança dos alimentos, menor competitividade e maior vulnerabilidade face ao fim da era da energia barata. Deste modo, o novo modelo tecnológico deverá centrar-se em desligar, tanto quanto possível, o aumento da produção por hectare do nível de utili- zação de inputs industriais por hectare. Esta direção de mudança permitir-nos-á criar uma agricultura ao mesmo tempo mais competitiva, mais amiga do ambiente e mais resiliente face à escassez crescente de água e à subida do preço da energia. Esta direção de mudança poderá vir a configurar-se num modelo tecnológico alternativo ao modelo químico-mecâ- nico, e tem vindo a ser designada como intensifica- ção sustentável (Royal Society, 2009). O grau em que conseguiremos desligar, no futuro, produção por hectare e nível de inputs por hectare não é ainda muito claro. Há certamente limites a esta estratégia tecnológica para produzir mais com menos e, assim, reduzir trade offs entre ambiente e economia, ao mesmo tempo que aumenta a produ- ção por hectare. Estes limites são mais evidentes a curto prazo e devem-se sobretudo aos chamados lock-ins tecno- lógicos (a prova mais evidente da existência de modelos tecnológicos). Por exemplo, a total expressão do potencial genético das variedades de plantas que hoje usamos na agricultura depende de agroe- cossistemas simples, com reduzida competição, mas também com reduzida ajuda de predadores e parasitoides, logo com maior necessidade de utilização de pesticidas. Depende também de eleva- dos níveis de nutrientes dispo- níveis no solo, logo adubações copiosas. Este exemplo ilustra a “resistência” do modelo tec- nológico vigente: não é possí- vel mudar as técnicas uma a uma; a mudança requer a emergência de um novo modelo tecnológico alternativo ao modelo vigente em que novas técnicas – baseadas em determinadas áreas do conhecimento, frequentemente não privile- giadas no modelo vigente – se articularão umas com as outras de modo a responder a novas necessida- des e novos desafios. Existem pelo menos duas vias estratégicas para a transição de modelo tecnológico na agricultura que podemos hoje antever e que podem conduzir-nos ao desligamento do crescimento da produção por hectare face aos níveis de utilização de inputs por hectare. A primeira destas vias baseia-se no aumento da eficiência na utilização dos inputs, por aplicação dos mesmos de um modo mais preciso, no tempo e no espaço – o que é referido como agricultura de precisão … A segunda via (que não é necessariamente alternativa à primeira) baseia-se na cópia e utilização de processos ecológicos … para substituir inputs comprados de origem industrial.
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