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18 CADERNOS DE ANÁLISE E PROSPETIVA CULTIVAR N.º 22 ABRIL 2021 mente produtivas, geradas pela moderna ciência agronómica, foi substituindo, um pouco por todo o lado, múltiplas variedades adaptadas ao agroecos- sistema local, que tinham sido geradas, ao longo de séculos, pelos conhecimentos locais de muitas gerações de agricultores. A base genética do modelo químico mecânico foi-se assim estreitando, o que tornou o modelo, no seu conjunto, cada vez mais dependente da disponibilidade de energia barata e, portanto, vulnerável face ao aumento do preço da energia. A difusão do modelo químico-mecânico implicou, no plano socioeconómico, uma progressiva integra- ção dos sistemas de produ- ção agrícola na economia de mercado: mercados dos produtos agrícolas, mercados dos novos inputs de origem industrial e ainda mercados de crédito para comprar os novos inputs. Desenvolveu-se, neste quadro, uma profunda dependência dos agricul- tores – até então, os princi- pais agentes da criação dos conhecimentos locais em que assentavam os seus sistemas de produção – face a saberes científicos glo- bais, primeiro na posse do Estado e do seu aparelho de investigação e extensão rural, e, depois, na posse dos fornecedores comerciais dos novos inputs . A dupla substituição operada pelo modelo químico- -mecânico permitiu uma maior produção de alimen- tos por trabalhador agrícola, e, assim, a transferência de muitas pessoas da agricultura para os setores emergentes da indústria e dos serviços. Deste modo, deu-nos uma liberdade de escolha ocupacional que hoje muito prezamos. Além disso, reduziu o risco global de insuficiência alimentar – a insegurança ali- mentar do mundo de hoje resulta da desigualdade na repartição do rendimento, e não tanto da insu- ficiência do potencial tecnológico de produção de alimentos. A artificialização dos agroecossistemas permitiu aumentar a produção agrícola ao longo da segunda metade do século XX principalmente através do aumento da produção por hectare (intensificação) e não tanto pela expansão da área cultivada. Isto teve evidentes vantagens em termos de uma menor pres- são para converter habitat natural em terra agrícola. O uso ineficiente de inputs químicos conduziu, no entanto, a graves problemas de poluição, que estão longe de ser apenas locais. O uso de fertilizantes azo- tados duplicou o ciclo global do azoto (Vitousek et al., 1997) e a presença de pesticidas bioacumuláveis é hoje detetável em zonas relativamente remotas, onde nunca foram utilizados, como a Antártida. A nível global, a generalização do modelo químico-mecâ- nico, mesmo nos países em desenvolvimento (a chamada revolução verde), permitiu multiplicar por três a produ- ção global de cereais desde 1950, com base na adoção de variedades de trigo, arroz e milho de alto rendimento, na multiplicação por três da área irrigada e na multiplica- ção por onze do uso global de fertilizantes de origem industrial (Brown, 2004). Um novo modelo tecnológico: intensificação sustentável A necessidade de aumentar a produtividade do tra- balho esteve, como vimos, na origem do modelo tecnológico químico-mecânico em agricultura. Do desenvolvimento deste modelo resultou o aumento da produtividade da terra (intensificação agrícola), através do aumento da utilização de inputs indus- triais, geralmente acompanhado de redução da efi- ciência com que os mesmos são utilizados. Hoje, ultrapassar o dilema da intensificação implica aumentar a produtividade da terra (a parte boa da intensificação) sem aumentar o uso de inputs por hectare (a parte má), o que requer ganhos muito sig- nificativos na eficiência de utilização destes inputs ( more crop per drop ). De facto, definida como nível Os agroecossistemas tocados pelo modelo químico-mecânico estão hoje profundamente modificados. São mais produtivos, em termos de produção de alimentos por hectare, mas também mais dependentes do subsídio energético exterior para assegurar o seu próprio funcionamento e estabilidade.

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