Cultivar_10_Trabalho na agricultura e as novas tendências laborais

39 “Todo o mundo é composto de mudança” Quem não tem, no cantinho da sua memória, for- mada de vida ou de ideias lidas ou ouvidas, a figura do agricultor e do trabalhador rural agarrado à enxada, a segurar o arado, ou os ranchos deslo- cando-se de umas regiões para outras em busca de trabalho? Ou quem não retém a lembrança da praça da jorna onde o poder da procura de traba- lho, representado pelo capataz dos proprietários, enfrentava os trabalhadores isolados? Ou ainda a recordação de quando o trabalho de sol a sol era a norma para muitos e todo o solo mais ou menos arável era utilizado, quando a floresta fazia parte da vida e atividade do agri- cultor (integração), quando os agricultores esperavam pelos intermediários, que, segundo lhes diziam, “ficavam com o lombo e lhes deixavam os ossos”? Até a pobre ceifeira que can- tava, e que serviu de elemento central a um inspi- A necessidade aguça o engenho (ou Como o setor agrícola vai tentando resolver os seus problemas) * JOAQUIM DOMINGOS ÂNGELO Economista, antigo Quadro Superior do Ministério da Agricultura * O artigo não foi originalmente escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico. [Nota da equipa editorial, a pedido do autor] rado poema de Fernando Pessoa, faz parte do qua- dro! Ela canta, pobre ceifeira, Julgando-se feliz talvez; Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia De alegre e anónima viuvez, Ondula como um canto de ave No ar limpo … Fernando Pessoa in Athena , nº 3, Lisboa, dez 1924 Se fosse nos dias de hoje e nas suas circunstân- cias, certamente a ceifeira não estaria no centro da construção de Pessoa… Com efeito, a norma na tra- jetória evolutiva da ativi- dade humana em geral é a mudança, não se podendo esperar outra coisa da ativi- dade agrícola. Compreende-se, aliás, que a própria mudança apresente aspetos inesperados, situação que já Luís de Camões tinha intuído quando nos últimos versos do soneto “Mudam-se os tempos” escrevia: … a norma na trajetória evolutiva da atividade humana em geral é a mudança, não se podendo esperar outra coisa da atividade agrícola.