Cultivar_10_Trabalho na agricultura e as novas tendências laborais

Trabalho agrícola: percursos e modelos 31 a produção, que, entretanto, a partir dos anos de 1980, se vai manter sensivelmente estabilizada, num quadro de abaixamento dos preços dos principais géneros alimentares e de contínua diminuição da mão-de-obra. Por exemplo, na cultura do arroz, em Portugal, logo na primeira metade dos anos setenta, houve casos em que a utilização da monda química e da motomecanização na plantação e na ceifa, substituindo a tração animal e o trabalho manual na monda e na ceifa, diminuiu a mão-de-obra (horas/ hectare/ano) de 2 780 para 146. Esta mudança permi- tiu a dispensa dos ranchos migratórios. Alterou-se também o pró- prio trabalho agrícola. Em muitas operações ficou menos penoso – no esforço insano da ceifa, na violên- cia desmedida da cava da vinha, na rotina violenta da rega com a picota ou cego- nha,…– e cessaram sociabi- lidades e rituais associados ao trabalho manual e às tecnologias tradicionais (os cantos na ceifa, as descamisadas do milho, a pisa das uvas,…). A mudança repercutiu-se também na organização do trabalho. Num estudo sobre a cul- tura da vinha, em Portugal, evidenciam-se os efei- tos da motomecanização na divisão do trabalho, nas competências, nos agentes de subcontrata- ção e na feminização e desvalorização do trabalho manual. Ou seja, a transformação tecnológica não foi uma mera substituição, mas contribuiu decisiva- mente para as características da ordem rural e agrí- cola , desencadeada pelo êxodo populacional. Desde os anos oitenta, a intensificação tecnológica da agricultura acentuou-se fortemente, como evi- denciam os indicadores seguintes 3 : 3 Com base em INE, Contas Económicas da Agricultura . Os valores dos agregados económicos são a preços constan- tes de 2011 e a produção está valorada a preços base. • Por cada unidade produzida de bens agrícolas, o gasto envolvido (o total dos Consumos Intermé- dios, CI) vai subir de cerca de 0,4 unidades (€), na média dos anos 1980-85, para 0,65 em 2006-16. • Tal ascendente acompanha o declínio contínuo, e assinalável, da mão-de-obra convocada (em UTA): face a 1980-85, – 36% nos anos 1986-95, -53% em 1996-2005, -65% em 2006-16; decrés- cimo mais acentuado no trabalho familiar (quase menos 70% das 711 mil UTA contadas em 1980- 85) do que nos assalariados (-56% em 2006-16 em rela- ção às 165 mil UTA avalia- das para a segunda metade da década de 1980) 4 . • Assim, comparativamente à situação em 1980-85, o volume de CI por cada unidade de trabalho, mul- tiplica-se por cerca de 2 nos anos de 1986-95, por perto de 4 em 1996- 05 e por quase 6 vezes na média dos anos 2006-16. • Percurso que segue de par com o crescendo do montante de Formação Bruta de Capital Fixo 5 4 Assinala-se, a propósito do ascendente de relevo do tra- balho assalariado, a individualidade da agricultura no seio dos demais ramos de atividade da economia nacio- nal: o menor peso do assalariamento (avaliado pela rela- ção entre os valores das remunerações e da produção), embora em aumento, e, em contraponto, a maior expres- são, ainda que em diminuição, do agregado rendimento misto (ou Excedente Bruto de Exploração, EBE, é a forma de remuneração do trabalho dos proprietários ou membros da família de unidades não constituídas em sociedade do setor das famílias …, característica da actividade agrícola ) face ao valor da produção – é a relevância das agricultu- ras familiares (cf. INE, 2017, Sistema Integrado de Matrizes Simétricas Input-Output 2013 e Id. 1999, inhttps://www.ine. pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_cnacionais). 5 FBCF: produtos agrícolas – plantações e animais – e pro- dutos não agrícolas – máquinas e outros materiais, edifí- cios e outros A mudança repercutiu-se também na organização do trabalho. … Evidenciam-se os efeitos da motomecanização na divisão do trabalho, nas competências, nos agentes de subcontratação e na feminização e desvalorização do trabalho manual. Ou seja, a transformação tecnológica não foi uma mera substituição, mas contribuiu decisivamente para as características da ordem rural e agrícola, desencadeada pelo êxodo populacional.

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