Cultivar_10_Trabalho na agricultura e as novas tendências laborais

Trabalho agrícola: percursos e modelos 27 e com o destaque ganho pela horticultura e pela arboricultura (fruteiras, olival e vinha). Com a pre- valência destas produções, cumpria-se, afinal, a vocação do território tal como tinha sido defen- dida, e logo abandonada, pela Agronomia portu- guesa, há mais de um século [Caixa 2]. Caixa 2 . Sertório do Monte Pereira 1 • «No final do século XIX e primeiros anos do seguinte, a Agronomia teve, em Portugal, um período em que o reco- nhecimento e a avaliação do meio se intensificaram com base nos conhecimentos científicos da época. Um dos grandes objectivos destes trabalhos era inferir ou, como Ferreira Lapa preferia, deduzir as implicações dos fac- tores do meio na agricultura. A conclusão foi, com relativa unanimidade, que num contexto de “franco e livre comércio”, a vantagem do país se concentrava, sobretudo, nas lenhosas, arbóreas e arbustivas, e nas hortícolas. Sertório do Monte Pereira, um dos mais destacados agrónomos da época, declarava mesmo, em 1900, que “…Portugal poderia abandonar, ou pelo menos restringir consideravelmente a cultura cerealífera, para alargar a exploração de plantas lenhosas,…”. Face, no entanto, à política proteccionista para o trigo, que se consolidou desde os últimos anos do século XIX, o mesmo Sertório do Monte Pereira, que interveio activamente na institucionalização desta política, justificava em 1908: “… os interesses superiores da alimentação pública, do trabalho nacional e de valorização do solo impõem a continuação e mesmo o desenvolvimento das culturas cerealíferas…”». Maria Carlos Radich, “Meio físico e agricultura – uma questão oitocentista”, Ler História , nº 50, 2006, pp. 109-130. • Intensificação tecnológica, especialização e recomposição dos sistemas produtivos: i. Estima-se que em 1960 a relação do valor dos consumos intermédios (CI) com o valor da produção agrícola se situava em pouco mais de 10%, rácio que em 1970 se elevava acima de 20%. Depois dos anos de 1980, foi o tra- jeto que se mostra adiante: 40% na média de 1980-85. ii. Pelo fim da década de 1980, a importância do valor económico agrícola gerado em “explorações especializa- das” 2 rondava os 40%, ou seja, ainda era o tempo do domínio da policultura/explorações “diversificadas”; pro- porção de explorações especializadas que pelo meio da década 2000 se erguia a próximo de 60%. iii. Nos dias de hoje, o peso relativo das empresas de produtos hortícolas, flores e de culturas permanentes sig- nificam 40% do volume global de negócios das empresas do ramo “Agricultura, produção animal, caça e ativi- dades dos serviços relacionados”, com exclusão do segmento dos granívoros; em 2009, a sua quota-parte era de 34% 3 . Por seu turno, a vista da composição da valia de bens agrícolas revela bem o ascendente dos culti- vos arbóreos e arbustivos e hortícolas: o seu peso, que nos anos 1980-85 se contava em 33%, eleva-se a pró- ximo de 45% na média do decénio 2006-16. Em contraponto, os cereais, que em 1950 se guindavam à primeira posição no contributo para a valia económica da produção agrícola (uma quota acima de 20%), ficam-se na média da década 2006-16, pelos 5%. Acresce que, no panorama global da extensão territorial das principais culturas agrícolas, enquanto a cerealicultura declina de ordem de grandeza semelhante àqueles cultivos (um pouco mais de 30%), em 1980-85, para o patamar de 20%, em 2006-16, a ocupação pela horticultura e arbo- ricultura ascende a perto de 50%; anote-se que, neste contexto, a dimensão relativa do trigo não chega a 5%, quando em 1980-85 superava os 10% – uma cifra de 316 000 ha, bem longe dos 813 mil ha atingidos na média quinquenal 1955-59. 1 Sertório do Monte Pereira (1858-1915) foi um dos mais destacados agrónomos portugueses. Professor, desde 1897, do Instituto de Agro- nomia e Veterinária – de que o Instituto Superior de Agronomia é herdeiro – desempenhou também funções institucionais de grande relevância: dirigente da Associação Central de Agricultura e, sobretudo, desde 1898, presidente do Conselho Administrativo do Mercado Central de Produtos Agrícolas, organismo fundamental na gestão da política do trigo. Mais tarde, na República, viria a ser nomeado pre- sidente da Junta do Crédito Agrícola. Da sua notável bibliografia, merece referência a análise da agricultura portuguesa (“A produção agrícola”, em Notas sobre Portugal , 1908, pp. 103-135). 2 Segundo a convenção estatística, são “especializadas” as explorações em que 2/3 ou mais do Valor da Produção Padrão Total resulta exclusivamente de uma atividade. 3 INE, Sistema de contas integradas das empresas

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