Cultivar_10_Trabalho na agricultura e as novas tendências laborais

cadernos de análise e prospetiva CULTIVAR N.º 10 DEZEMBRO 2017 26 mas das operações culturais das principais cultu- ras. Nas terras da agricultura familiar, onde estes picos também ocorriam, embora em muito menor escala, eram resolvidos com a entreajuda de vizi- nhos e familiares. Trabalho manual, tração animal, ranchos migrató- rios, entreajuda, aldeias onde muita gente, sem outra alternativa, se dis- putava o cultivo da par- cela mais pequena e mar- ginal – este, foi um mundo que se esboroou, e teve de se refazer, na sequên- cia do grande êxodo agrícola e rural dos anos ses- senta (entre 1960 e 1974 a população ativa agrícola teve uma diminuição de 43% – saíram da agricul- tura cerca de 540 mil unidades de trabalho, UTA). Alguns indicadores sobre a amplitude dos seus efei- tos: de 1962 a 1972, em índice (1962=100), os salá- rios subiram para 290, e o aluguer de tração animal para 207; paralelamente, o custo da motomecani- zação (trator) aumentou apenas 34% e a tendên- cia no gasóleo, adubos, fitofármacos, herbicidas e sementes selecionadas foi também muito inferior à dos salários e da tração animal. A transformação e modernização tecnológica tornaram-se, assim, inevitáveis e repercutiram-se, nomeadamente, na dinâmica das estruturas agrárias e nas característi- cas do trabalho agrícola. É neste último que se cen- tra o presente texto. Foi, de qualquer modo, um processo longo e marcado pelas condições sociais e económicas que foram envolvendo a agricultura. Acentuou-se a relação com o mercado e a monetariza- ção da economia agrícola. Estas dimensões vieram ainda a acentuar-se com a adesão (1986) de Portugal à União Europeia e, em especial, na sequência da reforma da Política Agrí- cola Comum, de 1992. Pelo meio da década atual, estima-se que o valor económico da produção agrí- cola comercializada – no universo das explorações agrícolas – ronde os 95%; o que, a título indicativo, compara com cerca de 60% e 75% em 1980 e 1990, respetivamente. Foi grande o impacto sobre a especialização e tec- nologia das explorações agrícolas, e levou, ainda, a uma recomposição da relevância dos sistemas de produção, com o progressivo esmorecer dos cereais de sequeiro, em particular do trigo – tra- dicional beneficiário do protecionismo agrícola – Caixa 1 . Ranchos migratórios – Arroz – Vale do Sado “(…) a maior parte dos componentes dos ranchos permanece nas regiões orizícolas desde Março a Junho, sendo sobretudo os meses de Maio e Junho os que requerem mais mão-de-obra, por ser o período da plantação e das mondas. Portanto, é durante cerca de meio ano, e por vezes mais, que esta gente vive deploravelmente alojada, com fre- quência na maior promiscuidade de sexos e idades, e inteiramente à mercê das picadas dos mosquitos transmis- sores do sezonismo. Quando há barracões ou quaisquer casebres, e este é o caso mais favorável, é neles que dorme em comum o pes- soal, quase sempre numa cubagem insuficiente para o número de pessoas. A maior parte das vezes, porém, nem isto existe, e então o que se pode ver são simples abrigos construídos com troncos, colmo, sacos, fardos de palha cobertos com zinco, etc., absolutamente inadmissíveis, sobretudo se nos lembrarmos de que se trata de uma cultura que tem sido até hoje das mais remuneradoras, principalmente na região do Sado.” Mário Botelho de Macedo, O problema do alojamento dos ranchos migratórios nas zonas sezonáticas , Ministério da Economia – Direção Geral dos Serviços Agrícolas, 1940, pp. 19-20. Trabalho manual, tração animal, ranchos migratórios, entreajuda, aldeias onde muita gente, sem outra alternativa, se disputava o cultivo da parcela mais pequena e marginal – este, foi um mundo que se esboroou, e teve de se refazer, na sequência do grande êxodo agrícola e rural dos anos sessenta…

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